Um Almanaque de fôlego
Não sou muito fã desses "Almanaques" que estão na moda no mercado editorial. Alguns são apenas apanhados esporádicos de textos e ilustrações, mas com pouca informação. Não é o caso de "Almanaque da Telenovela Brasileira", de Nilson Xavier. Talvez por ter sido organizado por um entusiasta e não por um escritor de ofício (Nilson é Analista de Sistemas, mas sua paixão por novelas levou-o a criar o site Teledramaturgia), o livro é farto em dados, curiosidades e imagens. Ao contrário da maioria das obras retrospectivas, que demonstram falta de memória e se concentram em anos recentes, este Almanaque vai fundo nas lembranças de todas as épocas. Minha única decepção foi a novela "Ninho da Serpente", exibida em 1982 pela Bandeirantes, não ter sido citada no capítulo "Quem matou". Eu lembro de ter assistido a alguns capítulos da trama na casa de uma amiga, mas depois não soube o desfecho. Estou até hoje querendo saber quem foi o assassino da moça que queria casar virgem e não cedia à pressão do noivo (último resquício de um tabu superado).
Ainda quanto ao Almanaque, há que se fazer uma observação sobre um tópico do capítulo "Mortes (in memoriam)". Ao lembrar o falecimento de Sérgio Cardoso em 1972, o livro diz:
O ator Sérgio Cardoso morreu de ataque cardíaco, aos 47 anos de idade, no dia 18/8/1972, quando faltavam 28 capítulos para terminar a novela O primeiro amor (Globo). Seu papel passou a ser intepretado por Leonardo Villar. A substituição doi personagem foi feita com todo o elenco reunido no estúdio.
Até aqui, está tudo certo. Mas o restante do parágrafo, infelizmente, não:
Sérgio Cardoso foi visto saindo por uma porta em sua última aparição na novela. Depois, com a imagem congelada no vídeo, um texto lido pelo autor Paulo José explicava o que acontecera e relembrava a trajetória do ator. Por fim, batia-se a porta e, quando a cena recomeçava, entrava Leonardo Villar, sendo recebido pelo elenco.
Embora o autor não faça referência direta, a fonte para essa informação com certeza foi o livro "Dicionário da TV Globo Vol. 1: Programas de Dramaturgia e Entretenimento", citado na bibligrafia. Ali a atriz Renata Sorrah, que fazia o papel de Mariana, é creditada por esse testemunho. Mas não está correto. Eu tinha 11 anos na época e lembro bem como foi. Estava acontecendo uma cena de discussão entre o "Professor Luciano" (Sérgio Cardoso) e outro personagem. De repente, mostra-se uma cadeira vazia com um par de óculos por cima e a luz se apaga. A seguir, aparece o elenco todo perfilado. É Paulo José quem fala: "Esta foi a última cena, gravada no dia 18 de agosto às 6 da tarde..." Posso estar errando o horário. Depois de uma breve homenagem póstuma, Paulo José anuncia que Sérgio Cardoso será substituído por um colega e amigo. "O colega, o amigo, é Leonardo Villar, que a partir de hoje fará o papel de Professor Luciano." Enquanto a última frase é dita, Leonardo entra no estúdio e se posiciona à frente dos demais atores. Em seguida, a cena da discussão recomeça do ponto em que parou, já com Leonardo no lugar de Sérgio. Eu jamais esqueci isso, pois fiquei surpreso de saber que a gravação de uma cena aparentemente contínua podia ser feita ao longo de vários dias.
E já que falamos em Sérgio Cardoso, vejam aqui uma retrospectiva de trabalhos dele, exibida originalmente no Vídeo Show. Aparecem trechos de "Antônio Maria" e de dois Casos Especiais:
Antônio Maria fazendo uma homenagem às coisas simples da vida. Essa cena é antológica.
Caso Especial "O Médico e o Monstro". Os monstros mais assustadores do cinema e da TV geralmente não são os que têm cara de lobisomem ou extraterrestre, mas aqueles em que as feições são ao mesmo tempo humanas e sinistras. Tem-se a impressão de que é possível encontrar um deles na rua numa noite escura.
Muitos se surpreendem com essa imagem. Sérgio Cardoso em cores? Ele faleceu no ano em que a TV a cores estreou no Brasil, mas chegou a estrelar este Caso Especial, "Meu Primeiro Baile", anunciado no vídeo abaixo como a primeira produção colorida da Globo.