sexta-feira, novembro 04, 2005

A Avenida Beira-Rio é dos automóveis

Faz pouco mais de uma semana que um ciclista morreu atropelado na Avenida Beira-Rio. Não vou condenar o motorista. A justiça que o faça, se for o caso. A gente sabe que há pessoas imprudentes dentro e fora de automóveis, em motos, bicicletas ou mesmo a pé. Mas o que me chamou a atenção foi que, com o acidente fatal, voltou à baila a questão de se construir uma ciclovia na Avenida. Ninguém lembra que, na época da inauguração, em 1988, aquela faixa paralela por onde os pedestres hoje transitam foi anunciada com o nome de... ciclovia. Nada contra sua utilização por quem corre ou faz caminhada. Apenas lembro esse detalhe hoje esquecido.

Tenho uma vaga lembrança da votação do projeto que resultaria na Avenida Beira-Rio, durante a administração de Alceu Collares. Recordo que houve protestos de ambientalistas, mas não cheguei a ler as notícias com calma. Por isso, não percebi que, ao menos naquela época, eu seria prejudicado. Em 1988 eu já tinha perdido muito do meu preparo físico, mas ainda corria (sobre meu passado de atleta, quem ainda não leu clique aqui). E um de meus trajetos preferidos era por sobre o dique do Parque Maurício Sirótski. Era uma longa faixa de areão que começava na chaminé do Gasômetro e terminava na Avenida Ipiranga. Ao cair da tarde, a luz do pôr-do-sol deixava o chão com uma cor dourada e bonita. Havia malocas à margem do trajeto, mas em geral não atrapalhavam. O local já havia se tornado costumeiro para corridas e caminhadas e a poluição dos carros ficava lá longe, na Perimetral.

Um dia eu ia correndo e achei curioso que estavam sendo colocadas estacas ao longo da pista, a espaços regulares de aproximadamente 50 metros. À medida que a obra foi avançando, percebi que aquele projeto polêmico que eu acompanhara pelo jornal apenas passando os olhos iria me tirar o meu local preferido de corrida. Quando a obra já estava pronta mas ainda não tinha sido inaugurada, muitos corredores aproveitaram para se despedir da pista, mesmo sobre o asfalto. Fiquei revoltado quando vi a imagem de um desses atletas mostrada em um comercial do projeto, como se fosse possível continuar fazendo exercício sobre a avenida depois que ela fosse aberta para os carros.

No fim-de-semana anterior à inauguração da Avenida, houve uma manifestação que se chamou "Abraço ao Guaíba". Uma fila de pessoas se alinhou de mãos dadas por toda a extensão da pista em protesto à série de obras que se pretendiam começar ali. Em parte, deu certo. Mas a Avenida era irreversível, mesmo por ser um projeto antigo. Logo em seguida, houve a eleição para Prefeito e o vencedor Olívio Dutra anunciou que fecharia a Avenida Beira-Rio aos fins-de-semana. No princípio, a pista paralela (que, repito, era chamada de ciclovia) era fofa demais e forçava muito os tendões, mesmo para caminhar. Depois que o cascalho assentou bem, foi possível voltar a usar aquele espaço para correr, mesmo tendo que suportar a poluição dos automóveis. O fim-de-semana sem carros na Avenida Beira-Rio já virou tradição. Eu parei de correr, mas por outros motivos. Para a cidade, a Avenida Beira-Rio teve um final feliz dentro do possível.

Mas quando ocorre um acidente como o da semana passada, voltam os questionamentos de 1988. Quando a avenida ficou pronta, todos diziam: "que bonito". Ora, bonito é o que já estava lá muito antes! A obra foi apenas uma faixa de asfalto por cima, para dar acesso aos carros. Com isso, foram preteridos os ciclistas e pedestres. Infelizmente, tudo é como no poema "Ou Isso ou Aquilo" de Cecília Meirelles. Se a opção foi por uma avenida de alta velocidade, em tese, o local não é recomendável para trânsito de bicicletas, ao menos em dias de semana. E o sinistro com vítima deixou bem claro a quem pertence aquele local. A Avenida Beira-Rio é dos automóveis. Tentar subverter essa ordem pode ter resultados desastrosos.