A minha maratona
Minha fase de atleta foi um período atípico da minha vida. Eu nunca me dei bem com esportes. Tinha dificuldade nas aulas de Educação Física, por meus problemas de peso e minha falta de agilidade. Não jogava futebol. Quando entrei para a faculdade, escolhi a modalidade "Ginástica Geral" por não me identificar com futebol, vôlei, basquete ou quaisquer das outras opções. E tive a sorte de pegar um bom professor. Quando ele viu o meu esforço para erguer os halteres, veio me falar: "Faz o esforço pra completar a série, mas se não conseguir, também não vai te matar!" Lembrei de outros professores que tive no colégio que chegavam a rir da minha dificuldade e percebi a diferença. Eu haveria de retribuir a compreensão dele fazendo o melhor que podia. Ali, foi plantada uma semente.
Concluídos os dois semestres de Educação Física da PUC, fiquei sem exercício por um tempo. Achei que deveria fazer alguma coisa. Resolvi dar três voltas na pista de 400 metros do Parque Marinha do Brasil. Me senti mal depois. Mas não desisti. Fui tentando aos poucos. Com calma, fui recuperando a forma e consegui chegar à marca de cinco voltas. Ao mesmo tempo, minha barriga começou a baixar. Aos 21 anos, cheguei a meu peso ideal. Fui aumentando minhas séries para duas de cinco voltas, duas de dez e finalmente uma de 20. Já não me cansava. Mas ainda era corredor de fim-de-semana. Um dia, levantei mais cedo para correr antes de trabalhar. Tornou-se um hábito. No auge da minha forma física eu corria de terça a domingo. Nove quilômetros nos dias de semana, 12 no sábado e 14 no domingo. E meus tempos estava melhorando, também. Meus batimentos cardíacos em repouso eram menos de 60 por minuto.
E adorava participar de provas de rua. A primeira foi o "Corre Corre" em 1982. Mas a mais marcante foi a Meia Maratona da Independência em 7 de setembro de 1983. Ainda lembro da emoção da chegada, pois eu não sabia se iria conseguir concluir os 21 quilômetros. Passei entre as arquibancadas ouvindo aplausos, ao cair da tarde. Foi então que comecei a decidir fazer uma loucura: encarar os 42 quilômetros da maratona completa. Pensei comigo mesmo que bastaria ir bem devagar e me preocupar apenas em chegar, nada mais. Não fiz nenhum treino específico a não ser me obrigar a correr todos os dias nas duas semanas anteriores, com chuva ou sol.
Foi em abril de 1984. Quando foi dada a largada, estranhei a diferença das provas menores. Em vez da turma saindo correndo à toda, os corredores partiram bem tranqüilos, ainda lembro de um dizendo pro outro, "boa corrida pra ti, Fulano", tudo num clima amistoso. Um garoto de 15 anos chamado João Gabriel acabou me acompanhando por quase todo o trajeto. Ele parou no quilômetro 30, que é considerado o limite onde muitos desistem. Eu comecei a caminhar no quilômetro 35. E dali fui alternando trechos de corrida e caminhada até cruzar a linha de chegada. Fiz a prova em quatro horas e cinco minutos. Durante o percurso, senti falta de água. A gente sente muita sede. Os copos de água mineral que são distribuídos pelo caminho não são suficientes. É comum os corredores combinarem com alguém para ir levar-lhes água em determinado ponto do trajeto.
Depois do fim da prova, passei em um bar do Parcão e tomei dois copos de água mineral com gás. À tarde, tentei tirar uma sesta, mas o corpo estava muito "aceso". A Zero Hora publicou o nome de todos os que chegaram. Por muito tempo eu tive esse jornal guardado, hoje não sei onde foi parar. E na manhã de sábado em que iriam distribuir diplomas aos que chegaram eu tinha uma prova na Faculdade e não pude ir.
Eu não estava preparado para uma corrida tão longa, mas fico feliz de tê-la enfrentado pois, se não tivesse feito naquele ano, não faria nunca mais. Tive muitas lesões em conseqüência da maratona, mas consegui me recuperar para mais algumas corridinhas. Em 1984, tirei oitavo lugar nos 5 mil metros nos Jogos da Caixa em Curitiba. Em 1985, tirei segundo lugar numa prova da Caixa de 10 mil metros restrita a empregados e dependentes do Rio Grande do Sul. Cheguei 500 metros à frente do terceiro colocado, ou seja: depois que eu cruzei a linha final, ele veio atrás e teve que dar mais uma volta. Bons tempos.
Mas meu peso foi voltando aos poucos, mesmo com o exercício. Minha tendência a ingerir calorias superava a de queimá-las. Tentei continuar correndo apesar do excesso de peso até que um dia, em 1996, aos 35 anos, me senti mal e resolvi parar. Ainda fiquei um tempo sonhando em recuperar a minha velha forma, mas hoje desisti. Foi bom enquanto durou. Eu não nasci para ser atleta. Um dia reencontrei o colega que ficou em terceiro atrás de mim na prova de 10 mil metros. Ele continua com o mesmo físico. Eu disse pra ele: "Não te dou revanche!" Minha prioridade agora é tratar a minha asma para poder pelo menos voltar a caminhar e viver normalmente, sem stress. Quero baixar de peso, mas não para voltar a correr. Até porque não conseguiria voltar a ser aquele jovem de 23 anos.
P.S: Ah, vocês querem saber quantos correram nos 5 mil metros dos Jogos da Caixa? Oito. Eu tirei o último lugar.
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