O verdadeiro Mario Quintana
Eu estaria mentindo se dissesse que conheci Mario Quintana "pessoalmente". Em 1976 eu tinha 15 anos e era o mais jovem sócio do Grêmio Literário Castro Alves (exceto por outro menino que era sócio honorário e ainda não escrevia). Aquele foi o ano em que Quintana completou 70 anos. Houve uma homenagem a ele na sede que o Grêmio ocupava no Edifício Ouvidor e eu estava presente. Lembro também quando, no mesmo ano, Rossyr Berny lançou seu primeiro livro, "O Homem Autômato", prefaciado por Quintana. A sessão de autógrafos foi numa Livraria Sulina da Rua da Praia. Quintana estava lá. Ao estender seu exemplar do livro para Rossyr autografar, ele disse, bem sério: "Mario Quintana". Vez ou outra eu o avistava caminhando pelo centro de Porto Alegre. Na Feira do Livro ele era figurinha carimbada.
A Editora Globo está relançando os livros de Mario Quintana em belas edições organizadas por Tania Franco Carvalhal. Segundo foi divulgado na imprensa, o objetivo é fazer com que as pessoas conheçam a obra do poeta e não apenas as histórias sobre suas tiradas bem-humoradas (muitas compiladas no livro "Ora Bolas", de Juarez Fonseca) e seus hábitos peculiares. Mas o verdadeiro motivo talvez seja outro. Embora não tanto quanto Luis Fernando Verissimo, Mario Quintana está tendo seu nome fartamente usado em textos de outros que circulam pela Internet. Alguns são de Martha Medeiros. Quem conhece o verdadeiro estilo de Quintana logo percebe que a autoria não pode ser dele. Mas, também a exemplo de Verissimo, existe uma geração nova que não conheceu os livros e está formando uma falsa imagem de Quintana a partir desses apócrifos.
Aproveitando o desconto de 20% que a Livraria do Globo de Porto Alegre sempre oferece no dia 20 de cada mês, na sexta-feira comprei "A Rua dos Cataventos"(1940), "Canções" (1946) e "Sapato Florido" (1948). Acho que só saíram esses, por enquanto. As capas são bem interessantes, mas não adianta tentar achá-las no site da Editora Globo. Ele está desatualizado. Até fico em dúvida se realmente é possível encontrar as edições anteriores do "Caderno H" e outras que aparecem como disponíveis para venda na página.
Sem o desconto, "A Rua dos Cataventos" e "Canções" custam 25 reais cada um. "Sapato Florido" sai por 29 reais. Cada livro traz um texto de abertura em que um escritor diferente analisa o conteúdo da obra. Ao final há a bibliografia do autor, outra de livros sobre ele e por fim a cronologia de sua vida.
Agora peço licença para mostrar pra vocês um pouco do verdadeiro Mario Quintana:
Rua dos Cataventos – soneto II
Dorme, ruazinha... É tudo escuro...
E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?
Dorme o teu sono sossegado e puro
Com teus lampiões, com teus jardins tranqüilos...
Dorme... Não há ladrões, eu te asseguro...
Nem guardas para acaso persegui-los...
Na noite alta, como sobre um muro,
As estrelinhas cantam como grilos...
O vento está dormindo na calçada,
O vento enovelou-se como um cão...
Dorme, ruazinha... Não há nada...
Só meus passos... Mas tão leves são
Que até parecem, pela madrugada,
Os da minha futura assombração
(Esse tinha no meu livro de Português da 6ª série com o título de "Dorme, ruazinha".)
De "Canções":
Canção da aia para o filho do rei
Mandei pregar as estrelas
Para velarem teu sono
Teus suspiros são barquinhos
Que me levam para longe...
Me perdi no céu azul
E tu, dormindo, sorrias.
Despetalei uma estrela
Para ver se me querias...
Aonde irão os barquinhos?
Com que será que tu sonhas!
Os remos mal batem n’água...
Minhas mãos batem na sombra.
A quem será que sorris?
Dorme quieto, meu reizinho.
Há dragões na noite imensa.
Há emboscadas nos caminhos...
Despetalei as estrelas,
Apaguei as luzes todas.
Só o luar te banha o rosto
E tu sorris no teu sonho.
Ergues o braço nuzinho,
Quase me tocas... A medo
Eu começo a acariciar-te
Com a sombra dos meus dedos...
Dorme quieto, meu reizinho.
Os dragões, com a boca enorme,
Estão comendo os sapatos
Dos meninos que não dormem...
De "Sapato Florido":
Clopt! Clopt!
É a ruazinha que tosse, tosse, engasgada com o homem da muleta.
Prosódia
As folhas enchem de ff as vogais do vento.
Comentário ouvido num bonde
Que moça culta, a Maria Eduarda: usa ponto-e-vírgula!
As falsas recordações
Se a gente pudesse escolher a infância que teria vivido, com que enternecimento eu não recordaria agora aquele velho tio de perna de pau, que nunca existiu na família, e aquele arroio aos fundos do quintal, e onde íamos pescar e sestear nas tardes de verão, sob o zumbido inquietante dos besouros...
4 Comments:
Emílio, tu sabes que eu demorei um tempo pra entender as poesias do Mario Quintana? No começo, quando lia, achava uma xaropada sem fim e não entendia como aquelas poesias eram tão cultuadas. Aí eu descobri o erro: lia sem atenção. As poesias do Mario precisam ser lidas com atenção, apesar da linguagem simples, porque sempre trazem uma reflexão. Virei fã dele após isso.
Quintana era sutil e econômico com as palavras. E não era óbvio. Por isso é irritante ver o tipo de texto que atribuem a ele. Nada a ver com o verdadeiro estilo.
Com tua licença, e me perdoe o atrevimento, divulguei teu blog no FAcebook justamente pelo fato de gostar muito de Mário Quintana; me causa tristeza e pior, me enjooa o estômago ver as coisas que escrevem na internet e atribuem a ele. Quem conseguiu captar um pouco do estilo dele vê de cara que estas atribuições absurdas não são escritos do Mário Quintana. Deixar isso em branco, além de tudo, é ser conivente com a ignorância e falta de educação que infelizmente reina solta pela web. Mas é uma SATISFAÇÃO ENORME ver que existe o contrário, COMO ESTE BLOG. Mário Quintana era PROFUNDO, mesmo que falasse de uma formiga atravessando uma folha de papel em branco, MAIS;era SUBLIME. Ele conseguia fazer o leitor sentir uma beleza que te invade pela alma, essa é minha visão pessoal das maravilhas que ele escrevia. Era um gênio, poesias, ditos, frases de uma beleza arrebatadora. Eu adoro este sujeito: O VERDADEIRO MÁRIO QUINTANA.
Meus PARABÉNS PELO TEU BLOG, este blog é providencial, divulgar MÁRIO QUINTANA, pra mim, é como tocar música de qualidade indiscutível, é como expor fotografias feitas com ARTE, É A BELEZA DA ARTE, esta que nos toca na ALMA e por isso FAZ UM MUNDO MAIS FELIZ. Grande abraço, e obrigado por brindar à todos que gostam da beleza da arte este pequeno bastião da verdadeira obra de um gênio que foi Mário Quintana. Grande abraço, Alessandro Badzinski
Legal, Alessandro! Geralmente o texto que tem mais acessos é "Os falsos Quintanas", onde denuncio as falsas atribuições. Mas viva o verdadeiro Mario Quintana!
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