terça-feira, novembro 30, 2021

O dia em que "entrevistei" Mick Rock


No dia 18 de novembro, faleceu o inglês Mick Rock, aos 72 anos. Fotógrafo e diretor de videoclipes desde antes da MTV, ele se notabilizou em especial por suas fotos de David Bowie da chamada fase Ziggy Stardust, nos anos 1970, tendo publicado vários livros com seus cliques antológicos. Também fotografou Lou Reed, Syd Barrett, Queen e muitos outros. 

Pois no dia 17 de dezembro de 1998, a saudosa BowieNet organizou um chat moderado com ele e Tony Visconti. Embora os dois fossem personagens de destaque na carreira de David Bowie, não havia quase nenhuma intersecção entre as respectivas participações. Mick tinha sido o fotógrafo principal de Bowie no período roqueiro, em que o produtor dos discos do cantor era Ken Scott. Tony havia tocado com Bowie em começo de carreira, mas sua atuação mais marcante foi a partir de 1975, em que Bowie descartou sua imagem glam e partiu para inesperados experimentos de estilo. Dos discos que o artista lançou entre o citado ano e 1980, apenas Station to Station não teve produção do nova-iorquino do Brooklyn. Apesar dessa disparidade, o chat funcionou bem. 

A Internet era relativamente nova, mas já ocupava um espaço significativo em minha vida. Em dezembro de 1998, fazia pouco tempo que eu estava morando sozinho pela primeira vez, ainda me adaptando a um estilo de vida que hoje é normal para mim. E os chats da BowieNet me faziam companhia. Havia os informais, em que ocasionalmente Bowie aparecia com o apelido de Sailor, e os moderados, com participações de convidados VIP e perguntas pré-selecionadas pelos moderadores. De todos dos quais participei, esse foi aquele em que tive mais perguntas encaminhadas. Acho, modéstia à parte, que eu sabia o que perguntar, enquanto outros fãs estavam meio perdidos, em especial sobre o que questionar ao fotógrafo. 

O chats da BowieNet foram preservados pelo site BowieWonderworld e vocês podem ler este que mencionei clicando aqui. Mas vou transcrever as perguntas que fiz a Mick Rock, devidamente traduzidas, com as respectivas respostas. 

Comecei perguntando sobre a diferença entre os videoclipes dos anos 70 e os da era da MTV. Indaguei se ele não achava (como eu acho até hoje) que os vídeos mais antigos eram melhores, pois complementavam a música em vez de tentar competir com ela. "Uma [das diferenças] era o orçamento. Nenhum deles era orçado além de mil dólares". Sobre a segunda parte do que questionei, ele respondeu: "Não acho que isso seja necessariamente verdade. Havia menos pressão com esses filmes mais antigos porque eles raramente eram usados".

Minha próxima pergunta selecionada foi: "Mick, que tipo de filme você usava nos anos 70? E hoje? Resposta: "Exatamente o mesmo filme. Na Hasselblad, EG 120 64 ASA 120 MM. Em preto e branco, Triax 400. A forma de processar o filme é que é importante". Mais adiante quis saber o que ele achava da fotografia digital e ele respondeu: "É um ótimo brinquedo novo, mas sou viciado em filme". Teria ele se mantido fiel à película no Século XXI? A julgar pela imagem de abertura do documentário "SHOT! The Psycho-Spiritual Mantra of Rock", tudo indica que sim:
Aí está o filme Triax 400 citado por ele em 1998.

A primeira coletânea de clipes de David Bowie a ser lançada comercialmente em vídeo (na época, nos formatos VHS e laserdisc) chamou-se "The Video Collection". Mas o clipe de "Life on Mars" havia sido modificado. As cenas de show foram removidas e o brilho da imagem foi saturado. Como Mick havia sido o diretor da edição original, perguntei se ele havia sido responsável pelas mudanças (mantidas em todos os lançamentos posteriores, como o DVD "Best of Bowie"). "Alguém f**eu ali, não fui eu. Alguém não me falou o que estava acontecendo. Mas isso é outra história". 

Mick tirou fotos do Queen na primeira fase do grupo, em que Freddie Mercury se apresentava de cabelo comprido e roupa de balé. Como se sabe, ele veio a mudar de visual. Quis saber o que o fotógrafo tinha achado dessa transformação. "Eu nunca tive o mesmo sentimento com relação à imagem de Freddie quando ele começou a fazer imitação do Village People. Havia um cara no VP que estava fazendo o que Freddie fazia pelo menos três anos antes. Eu costumava vê-lo no West Village, no Anvil". 

Uma curiosidade é que, mais ou menos na metade do chat, David Bowie entrou e começou a avacalhar com as respostas, de forma bem humorada. Os fãs, é claro, adoraram. Lá pelas tantas, perguntei: "Mick e Tony, como vocês se sentem com David perturbando o chat de vocês?" Mick: "Vamos falar com ele sobre isso mais tarde". Tony: "Eu acho que ele passa tempo demais aqui, ele deveria estar compondo". Bowie era um pioneiro da Internet. Ele foi o primeiro a lançar uma música pela rede, no caso, os três remixes de "Telling Lies" em 1996 antes da mixagem normal do álbum que viria em 1997, Earthling. Como só existia praticamente linha discada, muitos reclamaram da dificuldade em baixar o arquivo. Um internauta, especificamente, desabafou: "Da próxima vez me dê sua música onde sempre pude consegui-la: a loja de discos!" Como os tempos mudam... 

A BowieNet deixou saudades. Ali formou-se uma comunidade de fãs do mundo inteiro, com participação ocasional do próprio Bowie. Já na época eu dizia que alguém deveria preservar os chats para a posteridade, incluindo os informais. Não sei se alguém fez isso. As conversas aconteciam por IRC (eu usava o Pirch), até que evoluíram para plataformas mais modernas nos próprios navegadores. 

quarta-feira, novembro 24, 2021

A volta do ABBA

Alguns assuntos acabaram ficando para trás neste mês de novembro que ainda não terminou e a volta do ABBA foi um deles. O novo álbum, Voyage, saiu no dia 5, mas a melhor música, "I Still Have Faith in You", já tinha sido lançada em setembro juntamente com "Don't Shut Me Down". As duas traziam mensagens de "retorno aos bons tempos", de começar de novo, mas a primeira era especialmente pungente, com seu recado direto: ainda tenho fé em você. Ela me provocou uma emoção semelhante à do filme "Rocky Balboa", de 2007, como se um pedaço de minha adolescência estivesse voltando (leiam aqui).

O álbum, admitamos, não está à altura dos maiores clássicos do grupo. Não se ouve aqui nada tão genial quanto  "Waterloo", "SOS", "Dancing Queen", "Take a Chance on Me", "Summer Night City" e "Super Trouper". Eu até diria que a citada "I Still Have Faith in You" supera canções anteriores da mesma estirpe, como "The Winner Takes it All", que nunca me agradou. Mas, no conjunto, o mérito desse novo trabalho é resgatar a sonoridade familiar dos vocais e dos arranjos, como se o tempo não tivesse passado. Mesmo não igualando a qualidade dos discos antológicos, Voyage não parece ter sido lançado 40 anos depois do penúltimo, The Visitors. Frida e Agnetha ainda cantam bem, embora meu ouvido detecte, talvez, um pouquinho mais de sotaque sueco na pronúncia em inglês. Destaque para a canção de Natal "Little Things", "When You Danced With Me" e "Keep an Eye on Dan", ainda que a letra desta última - destoante da melodia alegre - toque num tema sensível para mim, que é a contingência de ter que alternar a companhia de um filho entre pai e mãe após a separação.
Mas o saldo é positivo. Torçamos para que o ABBA nos brinde com pelo menos mais uma produção de estúdio em breve.

O cambalacho de 1999
A volta do ABBA me faz lembrar de um cambalacho que rolou em 1999 e que, apesar do absurdo, conseguiu enganar não só o público como também a imprensa brasileira. Para mim, tudo começou quando recebi um e-mail de um grupo de distribuição em que um amigo perguntava: "Alguém vai ao show do ABBA em outubro?" Pensei comigo mesmo: ABBA? O ABBA voltou e ninguém me disse nada? Será que eu sou o único a não saber? Naquele tempo a ferramenta de busca padrão era o Alta Vista. Foi lá que procurei pela expressão "ABBA reunion". De concreto, vi somente a notícia de que os quatro ex-integrantes haviam se reencontrado no dia 18 de janeiro, na festa de aniversário de 50 anos do empresário Thomas Johansson. Björn, Benny e Frida (mas não Agnetha) cantaram "With a Little Help From My Friends", dos Beatles. Mas não constava que tivessem voltado à ativa.
Pedi a quem me transmitiu a improvável notícia que me trouxesse mais informações. E a resposta que recebi é de que se tratava do Real ABBA Gold, uma banda de cover, mas com um integrante do grupo original: Benny Andersson. A explicação fez menos sentido ainda para mim. Considerando a grandeza do ABBA, que havia quebrado recordes dos Beatles e se tornado o maior produto de exportação da Suécia depois dos caminhões Volvo, um projeto desses me parecia muito abaixo do status de qualquer de seus membros. Talvez não fosse impossível - Steve Howe, do Yes, já tocou com o grupo de tributo Fragile -, mas a possibilidade de Benny profanar a memória do ABBA dessa forma era mínima, quase zero.
Voltei ao Alta Vista. Um fato desses, se fosse real, não escaparia aos sites de notícias. Mas só o que encontrei foi uma citação de Benny Andersson elogiando o Bjorn Again, recomendando aos fãs que aproveitassem o tributo do citado conjunto, pois "é o mais perto que os fãs chegarão de ver o ABBA, o grupo nunca mais voltará". Fui ficando cada vez mais confuso.
Eu já tinha até esquecido o assunto quando, no salão de festas do prédio em que minha irmã morava, alguém veio me mostrar um jornal com a notícia de que o Real Abba Gold havia se apresentado em Porto Alegre, mas sem Benny. Claro, ele nunca fez parte do grupo. Foi um escândalo por todo o Brasil. Decidi investigar o que havia acontecido. Ingressei temporariamente em um grupo de discussão intitulado ABBAMAIL e lá fiquei sabendo que alguns tentaram checar a informação da forma mais ingênua possível: ligando para o teatro. Ora, a pessoa ao telefone só sabe repetir o que está no release. Duas fãs brasileiras fizeram a coisa certa: escreveram para a empresária de Benny e receberam a resposta inequívoca de que o que estava sendo divulgado por aqui não era verdade.
Aparentemente, o cambalacho só foi aplicado no Brasil. E colou! Até na imprensa! Eu não resisti: fiz uma matéria de página inteira para o International Magazine contando tudo o que havia testemunhado. Talvez agora os jornalistas em geral estejam mais espertos com relação a esse tipo de informação e tenham aprendido a verificar os fatos na Internet. Mas até hoje fico surpreso que um engodo tão óbvio, tão estapafúrdio, tenha conseguido enganar tanta gente. 

domingo, novembro 07, 2021

Flávio Porcello

Eu sabia que Flávio Porcello estava hospitalizado, lutando contra o Covid, mas pensei que ele iria sair vitorioso. De tempos em tempos eu dava uma espiada no perfil dele no Facebook para saber do estado dele, que a filha informava. Pois hoje abri o site do Clicrbs e fui "golpeado" pela notícia de que ele não resistiu.

Flávio foi meu professor na Faculdade de Jornalismo. Nunca esqueci do que ele contou no primeiro dia de aula sobre o belo trabalho que ele e sua equipe haviam feito no TJ Rio Grande, mas foram obrigados a abandonar quando o SBT adotou a linha mais popularesca de telejornalismo do "Aqui e Agora". Pensei comigo mesmo: esse é um profissional com P maiúsculo. Também lembro dele envolvendo-se ativamente em nossos trabalhos práticos de aula. Assisti ao trecho de um vídeo de outros colegas em que ele aparecia ameaçando desligar o equipamento, aí ele apertava um botão e a imagem sumia.

Todos gostavam dele na Famecos. Era simpaticíssimo, carismático, bom mestre, um gentleman. Se eu, que fui "apenas" aluno dele, fiquei com essa impressão, imagine quem convivia de perto com ele, os amigos, colegas, parentes próximos... Eu acabei me reencontrando com ele no Facebook. Ele me adicionou depois que fiz um comentário numa publicação de um amigo comum. Em outra ocasião, observei o fato de que eu, como ele, também sou formado em Direito e Jornalismo:

Segundo a filha dele, Porcello já tinha feito duas doses da vacina e estava sempre de máscara. Tinha 70 anos. Sua partida foi uma injustiça muito grande.