quarta-feira, novembro 24, 2021
Alguns assuntos acabaram ficando para trás neste mês de novembro que ainda não terminou e a volta do ABBA foi um deles. O novo álbum, Voyage, saiu no dia 5, mas a melhor música, "I Still Have Faith in You", já tinha sido lançada em setembro juntamente com "Don't Shut Me Down". As duas traziam mensagens de "retorno aos bons tempos", de começar de novo, mas a primeira era especialmente pungente, com seu recado direto: ainda tenho fé em você. Ela me provocou uma emoção semelhante à do filme "Rocky Balboa", de 2007, como se um pedaço de minha adolescência estivesse voltando (leiam aqui).
O álbum, admitamos, não está à altura dos maiores clássicos do grupo. Não se ouve aqui nada tão genial quanto "Waterloo", "SOS", "Dancing Queen", "Take a Chance on Me", "Summer Night City" e "Super Trouper". Eu até diria que a citada "I Still Have Faith in You" supera canções anteriores da mesma estirpe, como "The Winner Takes it All", que nunca me agradou. Mas, no conjunto, o mérito desse novo trabalho é resgatar a sonoridade familiar dos vocais e dos arranjos, como se o tempo não tivesse passado. Mesmo não igualando a qualidade dos discos antológicos, Voyage não parece ter sido lançado 40 anos depois do penúltimo, The Visitors. Frida e Agnetha ainda cantam bem, embora meu ouvido detecte, talvez, um pouquinho mais de sotaque sueco na pronúncia em inglês. Destaque para a canção de Natal "Little Things", "When You Danced With Me" e "Keep an Eye on Dan", ainda que a letra desta última - destoante da melodia alegre - toque num tema sensível para mim, que é a contingência de ter que alternar a companhia de um filho entre pai e mãe após a separação.
Mas o saldo é positivo. Torçamos para que o ABBA nos brinde com pelo menos mais uma produção de estúdio em breve.
O cambalacho de 1999
A volta do ABBA me faz lembrar de um cambalacho que rolou em 1999 e que, apesar do absurdo, conseguiu enganar não só o público como também a imprensa brasileira. Para mim, tudo começou quando recebi um e-mail de um grupo de distribuição em que um amigo perguntava: "Alguém vai ao show do ABBA em outubro?" Pensei comigo mesmo: ABBA? O ABBA voltou e ninguém me disse nada? Será que eu sou o único a não saber? Naquele tempo a ferramenta de busca padrão era o Alta Vista. Foi lá que procurei pela expressão "ABBA reunion". De concreto, vi somente a notícia de que os quatro ex-integrantes haviam se reencontrado no dia 18 de janeiro, na festa de aniversário de 50 anos do empresário Thomas Johansson. Björn, Benny e Frida (mas não Agnetha) cantaram "With a Little Help From My Friends", dos Beatles. Mas não constava que tivessem voltado à ativa.
Pedi a quem me transmitiu a improvável notícia que me trouxesse mais informações. E a resposta que recebi é de que se tratava do Real ABBA Gold, uma banda de cover, mas com um integrante do grupo original: Benny Andersson. A explicação fez menos sentido ainda para mim. Considerando a grandeza do ABBA, que havia quebrado recordes dos Beatles e se tornado o maior produto de exportação da Suécia depois dos caminhões Volvo, um projeto desses me parecia muito abaixo do status de qualquer de seus membros. Talvez não fosse impossível - Steve Howe, do Yes, já tocou com o grupo de tributo Fragile -, mas a possibilidade de Benny profanar a memória do ABBA dessa forma era mínima, quase zero.
Voltei ao Alta Vista. Um fato desses, se fosse real, não escaparia aos sites de notícias. Mas só o que encontrei foi uma citação de Benny Andersson elogiando o Bjorn Again, recomendando aos fãs que aproveitassem o tributo do citado conjunto, pois "é o mais perto que os fãs chegarão de ver o ABBA, o grupo nunca mais voltará". Fui ficando cada vez mais confuso.
Eu já tinha até esquecido o assunto quando, no salão de festas do prédio em que minha irmã morava, alguém veio me mostrar um jornal com a notícia de que o Real Abba Gold havia se apresentado em Porto Alegre, mas sem Benny. Claro, ele nunca fez parte do grupo. Foi um escândalo por todo o Brasil. Decidi investigar o que havia acontecido. Ingressei temporariamente em um grupo de discussão intitulado ABBAMAIL e lá fiquei sabendo que alguns tentaram checar a informação da forma mais ingênua possível: ligando para o teatro. Ora, a pessoa ao telefone só sabe repetir o que está no release. Duas fãs brasileiras fizeram a coisa certa: escreveram para a empresária de Benny e receberam a resposta inequívoca de que o que estava sendo divulgado por aqui não era verdade.
Aparentemente, o cambalacho só foi aplicado no Brasil. E colou! Até na imprensa! Eu não resisti: fiz uma matéria de página inteira para o International Magazine contando tudo o que havia testemunhado. Talvez agora os jornalistas em geral estejam mais espertos com relação a esse tipo de informação e tenham aprendido a verificar os fatos na Internet. Mas até hoje fico surpreso que um engodo tão óbvio, tão estapafúrdio, tenha conseguido enganar tanta gente.
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