sexta-feira, novembro 30, 2018

Ney Matogrosso em depoimento informal

A autobiografia de Ney Matogrosso, sem dúvida, é recomendada para os fãs do cantor. Mas não espere grandes revelações em "Vira-Lata de Raça". Os fatos descritos por Ney são essencialmente os mesmos que já haviam sido abordados em entrevistas e, em especial, dois livros anteriores: "Um Cara Meio Estranho", de Denise Pires Vaz (1992), e "Ousar Ser" (2002). Este último era uma coletânea de fotos do saudoso Luiz Fernando Borges da Fonseca entremeadas a trechos de um diálogo de Ney com Bené Fonteneles. As três obras tiveram como ponto de partida depoimentos exclusivos do artista. No caso, o texto final da autobiografia foi redigido por Ramon Nunes Mello. 

Outro aspecto a observar é que, se o livro de Denise estava mais para uma grande reportagem do que para uma biografia no formato tradicional, este também não mostra qualquer compromisso com cronologia e completeza. Sim, Ney fala de sua infância e adolescência, da relação conturbada com o pai, do início com os Secos e Molhados (ele continua afirmando que os empresários americanos que procuraram o grupo no México levaram a ideia da maquiagem para o Kiss, desconhecendo o fato de que, naquele momento, já fazia três meses que o primeiro LP da banda estadunidense havia sido lançado, com máscaras e tudo), seu romance com Cazuza, o Santo Daime, a terapia Fischer-Hoffman, suas opiniões sobre política, sexualidade e liberdade. Mas, como na obra de 1992 (lançada para coincidir com os 50 anos do cantor), o que se tem é muito mais um perfil – talvez em maior foco e detalhe do que antes - do que um relato de sua carreira. Nesse quesito, continuamos aguardando o trabalho do jornalista Julio Maria, que talvez seja publicado em 2019.


Percebe-se que Mello deixou a voz de Ney fluir espontaneamente, mantendo eventuais repetições de palavras e informações. O resultado é uma leitura leve e simpática, como se o cantor estivesse conversando informalmente com o leitor. As notas de rodapé é que mostram um rigor didático, ensinando sobre a divisão do estado do Mato Grosso, o AI-5, a Era dos Festivais e a Era de Ouro da Música Brasileira, entre outras referências. A parte de fotos também é muito rica, incluindo diversas do tempo dos Secos e Molhados (desta vez João Ricardo autorizou, ao contrário do que fez com o livro de Gérson Conrad). Além de uma discografia completa (ou quase: senti falta do disco ao vivo dos Secos e Molhados), citando músicas e autores, e lista de DVDs, filmes e shows, o volume de 288 páginas contém textos de Tárik de Souza (reportagem histórica do Jornal do Brasil sobre o fim dos Secos e Molhados, em agosto de 1974), Nélson Motta, Vinicius Rangel Bertho da Silva (autor do ótimo livro "O Doce e o Amargo dos Secos e Molhados"), Caio Fernando Abreu, Mauro Ferreira e uma matéria da revista Moviola sobre o filme "Olho Nu". A publicação é da editora Tordesilhas.

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Trecho:

"As pessoas que defendem a ditadura não têm ideia do que é viver num país onde as pessoas desapareciam, eram torturadas, jogadas vivas de aviões na restinga do Marambaia. Um ser humano minimamente consciente se revolta contra uma possibilidade de tortura, é simples. Prefiro acreditar que esses militantes de extrema direita, que perderam a vergonha na cara para expor seu ódio e preconceito, são equivocados e desinformados."

sexta-feira, novembro 23, 2018

Kátia Suman e os bastidores da Ipanema

Terminei de ler "Kátia Suman e os diários secretos da rádio ipanema fm", da editora BesouroBox. Mas antes de comentar o livro, que achei simplesmente delicioso, gostaria de repassar algumas lembranças.

Por muito tempo, eu tive como um dogma que a década de 70 foi a melhor de todas para mim. Coincidiu com minha adolescência. Mas, hoje, já não tenho certeza. Acho que os anos 80 foram, no mínimo, tão bons quanto. Se, por um lado, não havia mais a tão adorada Continental, na frequência 1120, por outro, o conteúdo daquela rádio se segmentou entre diversas FMs.

Num primeiro momento, eu tive uma fase de ouvir a Cidade e a Atlântida. Lembro de uma noite, já bem tarde, em que eu estava voltando para casa com meu fuquinha quando, para minha surpresa, surgiu uma voz feminina na Atlântida. Ela se anunciou como "Kátia vampira". Achei interessante a proposta. Uma locutora. Por que não?

Aos poucos, fui dando uma chance para a programação diversificada e fora do esquemão da Bandeirantes FM. Certa noite em 1983 - eu apostaria que foi em outubro - eu estava com meu fuquinha estacionado na Travessa Comendador Batista, não lembro se esperando minha namorada ou com ela no carro, escutando o Ricardo Barão e seu Estúdio 576. Ali ele anunciou que a programação da Bandeirantes estava migrando para uma nova rádio, que se chamaria Ipanema, e que já estava no ar em transmissão simultânea. Inclusive ele sugeriu aos ouvintes que já fossem procurando a frequência 94.9.

Pois a Ipanema me acompanharia por mais de dez anos. Eu me sentia em casa ouvindo aquele modelo de programação tido como "alternativo". Foi mais ou menos nessa época que eu comecei a frequentar lojas de discos raros e a "sintonia" de quem buscava esse tipo de material (e também dos vendedores) era a mesma de quem escutava a rádio. Ricardo Barão foi proprietário da Disco Voador, especializada em rock. Sérgio Vasconcellos, sócio da Grammy Discos Raros, substituiu Kátia nas férias dela, no começo dos anos 90. E também patrocinava dois programas na Ipanema, "Piratas no Ar", sobre discos piratas, e "Base Sonora". Este eu carinhosamente apelidei de "encalhes da Grammy", pois sempre focalizava algum álbum antológico... que a loja ainda não tinha conseguido vender! 

Por isso adorei o livro da Kátia Suman. Foi a chance de saber tudo o que estava acontecendo pelo lado de dentro da rádio enquanto eu a ouvia praticamente todos os dias. A radialista inicia contando a vida dela, o nascimento por acaso na Bahia (onde trabalhava seu pai, o jogador de futebol Gago), a passagem por São Paulo, a experiência com teatro, o desejo de trabalhar na então Bandeirantes, a indicação para o horário da madrugada na Atlântida até, finalmente, em abril de 1984, a estreia na Ipanema. 

Os recados de um turno para o outro eram dados em um caderno que ficava no estúdio. Quando um era totalmente preenchido, vinha outro em seu lugar. Pois Kátia guardou todos e são eles os "diários secretos" referidos no título. A autora selecionou a mensagens mais interessantes deixadas por ela e pelos colegas e as transcreveu cronologicamente em capítulos temáticos, impressas em fonte tipo script, para dar a ideia de textos manuscritos. Ali se encontram desde reclamações de parte a parte até sugestões para a programação, dicas de shows, recados repassados de ouvintes, "xixis" do diretor Nilton Fernando, réplicas, tréplicas e muito mais. Além de Kátia e Nilton, também aparecem assinaturas de Mary Mezzari, Nara Sarmento, Mauro Borba, Jimi Joe, Nilo Cruz e outros. Em termos históricos, eu destacaria:

- A repercussão da eleição de Olívio Dutra para Prefeito de Porto Alegre, em 1988.

- A primeira eleição presidencial em mais de 20 anos, em 1989.

- A chegada do CD à rádio, alta novidade ainda chamada de "disco laser" ou apenas "laser".

- O início do uso do computador.

- Os primórdios da Internet (Kátia dá uma verdadeira aula via caderno, ainda no tempo do saudoso Netscape).

Aqui, peço licença para resgatar outra lembrança pessoal. Em 1987, liguei para a Kátia para perguntar como podia fazer para participar do Clube do Ouvinte, programa criado por ela para ser apresentado, como dizia o nome, pelos ouvintes. Ela foi bem legal comigo, me deu todas as dicas, mas ainda não foi daquela vez que marquei minha participação. Lembro que sugeri um especial sobre David Bowie, mas já tinha um agendado. Pensei então em Charly Garcia, mas, igualmente, o cantor argentino seria abordado em um programa próximo. Pois o livro reproduz algumas páginas dos cadernos e outras anotações. Na página 97, aparecem todos os Clubes do Ouvinte programados entre 22 de abril e 15 de dezembro de 1987. Dito e feito, lá estão os nomes de David Bowie e Charly Garcia. Foi justamente aquela página que Kátia consultou enquanto falava comigo. E os respectivos apresentadores - Cagê e Nara Sarmento - viriam a trabalhar na rádio.

No capítulo "making of" (Kátia escreve tudo em minúsculas, é uma marca registrada dela), a primeira observação de 1993 é de que não tem nenhum Clube do Ouvinte agendado. Ela acrescenta um comentário atual dizendo que foi nesse ano que o programa começou a decair (já tinha tido seu tempo reduzido de duas para uma hora) e se arrastou até 1994. Ironicamente, foi bem nesse período que eu participei de quatro ou cinco edições, depois de me formar em Jornalismo. Lembro que o primeiro, "Raridades e piratarias de David Bowie", foi bastante elogiado, de forma que não me sinto responsável por essa "decadência".

Uma curiosidade é que, em 1988, o diretor Nilton Fernando deixou no caderno uma longa análise comparativa entre a Ipanema e a saudosa Continental dos anos 70. Como ouvinte das duas rádios, concordo com quase tudo o que ele escreveu. De fato, a Continental começou como uma versão gaúcha da Mundial do Rio, tocava músicas das paradas de sucesso (do exterior, mas tocava), tinha um padrão de locução tradicional, com o indefectível "vozeirão", e não ia muito a fundo no rock pesado (exceto no programa que Beto Roncaferro apresentou à meia-noite, em certa época). Mas discordo quando ele diz que a emissora dos anos 70 não dava tanta força aos músicos gaúchos e que as gravações locais só tocavam no "Mr. Lee em Concerto". Eu lembro bem que os talentos de Porto Alegre, gravados no Estúdio 2 da rádio, faziam parte da programação normal. Casualmente, a Continental também tinha um caderninho (na verdade um cadernão). E às vezes também rolavam algumas farpas entre locutores de horários diferentes (eu fui testemunha ocular de uma troca de mensagens mais tensa entre meu irmão João Carlos e Ruy Carvalho, em razão de um horário em que a rádio esteve sem locutor).

Enfim, o livro de Kátia vem se somar a "Prezados Ouvintes" de Mauro Borba, para registrar a história da saudosa e querida Ipanema FM. Leitura obrigatória para os ouvintes da rádio e para entusiastas do radialismo em geral.

sexta-feira, novembro 16, 2018

Ainda o filme "Bohemian Rhapsody"

Como já comentei antes, o filme "Bohemian Rhapsody", sobre a vida do cantor Freddie Mercury, tem erros cronológicos facilmente identificáveis para quem é fã do Queen. No entanto, uma cena está confundindo muita gente: é aquela em que eles se apresentam no Brasil. Como Freddie aparece num hotel do Rio de Janeiro, há quem pense que se trata do show do Rock in Rio, em 1985. Mas não: para mim ficou claro que a intenção foi registrar a primeira vinda do grupo ao Brasil, em 1981. Foi naquela ocasião que aconteceu o "maior público pagante", como mostra a matéria na TV. Então o erro foi colocarem o Rio na história, pois daquela vez a banda só tocou em São Paulo. A troca da cidade brasileira em que o Queen se apresentou pela primeira vez foi apenas uma das muitas "licenças poéticas" do enredo. Mas não tem nada a ver com o Rock in Rio.

segunda-feira, novembro 12, 2018

Cinema, etc.

A última vez em que eu tinha assistido a dois filmes em cinemas diferentes no mesmo dia tinha sido em 1991. No caso, "Meu Primeiro Amor", com Macaulay Culkin, numa das salas do Cine Coral, e "Duplo Impacto", com Van Damme, no Cacique (minha última vez lá, embora eu não pudesse imaginar isso, na época). Pois nesse sábado repeti a dose: "O Primeiro Homem" no Bourbon Country e "Bohemian Rhapsody" no Shopping Praia de Belas. Ambos são cinebiografias. O primeiro, do astronauta Neil Armstrong. O segundo, do cantor Freddie Mercury. A abertura já começa com a fanfarra da 20th Century Fox no som característico da guitarra de Brian May. Quem é antigo fã do Queen, como eu, nota algumas liberdades que foram tomadas com a cronologia das músicas. Mesmo assim, é um ótimo filme. 
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Meu audiobook do momento é "Sinatra - the Chairman", de James Kaplan. É a segunda parte da vida do cantor americano. "Sinatra - the Voice", do mesmo autor, ia até o Oscar conquistado por Sinatra por sua participação em "A Um Passo da Eternidade" em 1954. Esse livro continua do ponto em que o outro parou. Foi lançado em 2015, mas o audiobook para download via Audible não estava disponível para fora dos Estados Unidos. Pesquisando, descobri que até existia uma edição em CD, mas havia sido confeccionada exclusivamente para envio a escolas e bibliotecas americanas.

Pois f
oi um desses exemplares que acabou aparecendo para venda em uma loja do Amazon Marketplace. Encomendei na hora. O pacote passeou um pouco pela Finlândia, depois foi tributado pela alfândega brasileira. Felizmente minha contestação foi aceita (audiobooks, como livros, são isentos de imposto de importação) e o tão desejado item finalmente chegou, sem encargos (exceto os 15 reais que agora são cobrados por importações). Tive que baixar os 35 CDs para o computador para depois colocar o áudio em meu iPod. Também converti para MP3 para copiar para CD-R e levar no carro. Em 128 kpbs, os 35 CDs originais ocuparam quatro CD-Rs - 10 CDs em cada um dos três primeiros e cinco no último. São quase 40 horas de narração! Mas vale a pena. E claro que a audição me motivou a voltar a ouvir meus CDs de Frank Sinatra. 
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Os fãs de quadrinhos da minha geração testemunharam a chegada do Universo Marvel ao Brasil em 1967 - era a série de desenhos precariamente animados "Super Heróis Shell", com Capitão América, Homem de Ferro, Hulk, Namor e Thor. Os primeiros gibis foram vendidos exclusivamente nos postos Shell, depois a Ebal passou a lançá-los normalmente. Em seguida vieram Homem-Aranha, Demolidor e outros. O criador ou adaptador desses personagens todos foi o grande Stan Lee, que faleceu hoje, aos 95 anos. Obrigado por tudo, Stan!
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A Feira do Livro de Porto Alegre vai para a sua última semana. Ela está um pouco menor do que em anos anteriores, em que chegou a avançar até o cais do porto, mas eu diria que está de bom tamanho, forte e sólida. Ainda vou dar uma última passada lá para as compras finais. No fim, quando fui ao Bourbon Country no sábado, aproveitei para comprar a autobiografia do Ney Matogrosso na Cultura, mesmo. 
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Boa semana a todos!

segunda-feira, novembro 05, 2018

Compras na Feira do Livro

No feriadão, fiquei com meu filho. Mesmo assim voltei à banca da ARI, na Feira do Livro, para buscar a coletânea "Ria Por Favor", do saudoso cartunista Sampaio. A marca registrada do desenhista eram as "cenas de multidão" onde, entre muitas situações cômicas, sempre havia o "homenzinho do xixi" escondido em algum canto. Isso muito antes do "Onde está o Wally". A bela edição foi organizada pela filha do autor, a cantora Maria Lucia Sampaio.

Ainda no mesmo dia (domingo), seguindo pela Rua da Praia, passei pela banca da editora BesouroBox e avistei outra obra que já estava em minha lista de desejos: "Kátia Suman e os diários secretos da ipanema fm". Ela gosta de escrever assim mesmo, somente em minúsculas, e usou esse estilo nos textos do livro. Pela folheada que dei, parece ser interessantíssimo. Tanto que já comecei a ler. Esse título vem se somar a "Prezados Ouvintes", de Mauro Borba, na bibliografia sobre a antológica Ipanema FM. Quando tiver terminado de ler, quero escrever uma resenha aqui. 

Hoje, novamente, fui à Praça da Alfândega bem cedo, ainda antes das 12 e 30, que é o horário de abertura da Feira. Circulando despretensiosamente, acabei encontrando mais algumas preciosidades. Comprei seis volumes da série "Encontros com o Professor", transcrições editadas das entrevistas que Ruy Carlos Ostermann fazia no Studio Clio. Cada livro custava apenas cinco reais, de forma que valeu a pena. Depois, em outra banca, achei "Oitavo Dia", biografia de Nelson Sirotsky escrita por Letícia Wierzschowski (assinada pelos dois), e adquiri também. Mas a inesperada extravagância veio a acontecer no setor internacional da Feira, que agora voltou à parte externa da Praça e não mais escondido no prédio do antigo correio: dois luxuosos volumes da Taschen, um sobre a DC Comics, outro abordando o universo da Marvel. Digamos que foi um presente de Natal antecipado de mim para mim. Ou melhor: do bancário aposentado de 57 anos para o menino apaixonado por histórias em quadrinhos que ainda existe dentro dele. 

Mas ainda faltam pelo menos três livros para encontrar: a biografia de Ayrton dos Anjos, a biografia de Júpiter Maçã (os dois que citei aqui) e a autobiografia de Ney Matogrosso. Será que aí eu darei por encerradas as minhas compras? Vamos ver.

sexta-feira, novembro 02, 2018

Sobre a eleição

Agora, com calma, vou tentar escrever sobre a eleição.

Existem situações em que seria preferível não ter razão. Não ver uma previsão se concretizar. O PT cometeu muitos erros, sem dúvida. Mas dois deles me pareceram gritantes.

O primeiro, no caso, foi insistir com uma candidatura totalmente fantasiosa de alguém que já havia sido condenado em segunda instância e, em pouco tempo, foi preso. Que foi uma condenação injusta, estou certo disso. E indico o livro "Comentários a uma Sentença Anunciada: o Processo Lula", do Projeto Editorial Praxis, com vários autores, a quem ainda esteja inseguro sobre esse fato. O problema é que todos os recursos já estavam esgotados. Depois que o elefante passou pelo buraco da fechadura, não adianta tentar segurá-lo com um nozinho no rabo. E, mesmo que Lula fosse solto, esse fato, por si só, não seria suficiente. Seriam necessários muitos milagres num curtíssimo espaço de tempo para que ele pudesse se candidatar, se eleger e, finalmente, ter uma "posse mansa e pacífica" (a expressão, aqui, usada quase como um trocadilho). Isso deveria ter sido constatado logo, para que o substituto pudesse ter sido lançado o quanto antes. Em vez disso, muito tempo se perdeu com slogans tipo "Lula ou nada" ou "não tem plano B".

É bem verdade que o lançamento da candidatura Lula teve um resultado benéfico, num primeiro momento: ele liderando as pesquisas. Mas isso gerou um efeito colateral que levou ao segundo grande erro do PT. Supondo que Lula tivesse de fato eleitores em número suficiente para elegê-lo, Haddad tentou herdar esses votos em potencial da forma errada, apresentando-se como um clone do ex-Presidente. Primeiro, com o slogan "Haddad é Lula". Depois, ao responder à primeira pergunta da "Sabatina" UOL/Folha/SBT: "Se o senhor for eleito, quem vai governar o país, o senhor ou o ex-Presidente Lula?"

Eu baixei o programa em áudio para ouvir numa caminhada, no iPod. Lembro que eu estava chegando na Av. Beira-Rio quando escutei o começo da entrevista. Imaginei que Haddad iria dizer que, com certeza, o Presidente seria ele mesmo, e seguir por essa linha de argumentação. Para minha total estupefação, ele praticamente admitiu que Lula iria governar através dele (ouçam aqui e vejam se concordam comigo)! Ora, ninguém quer votar num marionete, num moleque de recados. O certo teria sido dizer que Lula seria uma inspiração e que a campanha "Lula Livre" teria seguimento, mas que as decisões seriam tomadas somente por ele, Haddad, de forma autônoma e independente.

Uma grande decepção, sem dúvida, foi Ciro Gomes. Até entendo a irritação dele. Se tivesse sido ele o segundo mais votado, as chances de vencer Bolsonaro na etapa seguinte teriam sido maiores, presume-se. E, depois da última declaração do candidato do PDT, ficou patente o desprezo que ele tem pelo PT. Mas segundo turno não é momento de nutrir mágoas. Seria a hora de dar uma trégua nas diferenças e se unir por um objetivo comum. Nesse aspecto, ao se omitir e viajar para o exterior, Ciro agiu como criança mimada que perde o jogo e sai fazendo beicinho, dizendo: "Não brinco mais!" Reconheça-se que ele não foi só ele a pecar por querer ser "o único certo". Se o PT, no início, dizia "ou Lula ou nada", Ciro deixou clara sua postura de "ou eu, ou nada". Mas isso não deveria perdurar no segundo turno.

Só nos resta torcer para que Jair Bolsonaro seja um Presidente tão bom quanto seus eleitores acreditam que será. Porque estamos todos no mesmo barco e, a partir do ano que vem, ele será o Comandante.

Roger Waters: fim de turnê em Porto Alegre

Terça-feira, dia 30, Roger Waters encerrou sua turnê brasileira (parte da "Us + Them Tour") com show no Beira-Rio, em Porto Alegre. De minha parte, fico feliz que ele não esteja mais refazendo o álbum The Wall na íntegra. Pode ser um clássico, mas nunca foi dos meus preferidos do Pink Floyd. Em vez disso, ele apresentou um repertório diversificado do seu antigo grupo, mais algumas faixas de seu último disco solo, Is This The Life We Really Want. Roger sempre foi o lado mais agressivo do Floyd (e David Gilmour, o mais melodioso) e isso se fez sentir na postura do músico e na sonoridade da banda de apoio. Alguns momentos eram como um soco no estômago.
A apresentação abriu com "Breathe" do antológico Dark Side of the Moon, de 1973. Em seguida o estádio tremeu com os graves de "One of These Days". De volta ao Dark Side, soaram os despertadores no começo de "Time", anunciando outro instante de pura vibração. "The Great Gig in the Sky" é uma composição do saudoso tecladista Rick Wright que Waters já tocou por diversas vezes. No disco, o vocal solo é da cantora Clare Torry. No palco, as duas vocalistas de apoio fizeram um belo dueto. Na sequência, ouviu-se "Welcome to the Machine", outro instante tipo "rolo compressor sonoro". 
Como Waters possui uma voz soturna e grave, em geral, os vocais originais de David Gilmour são feitos pelo guitarrista da banda, que não é mau cantor mas tem um timbre muito pequeno e frágil. A exceção é a bonita balada "Wish You Were Here", que Waters fez questão de ele mesmo cantar, como vem fazendo desde o começo dos anos 2000 na turnê "In the Flesh", que passou por Porto Alegre (em 2002, no Estádio Olímpico). Essa ele interpretou depois de mostrar três faixas de seu trabalho solo mais recente ("Deja Vu", "The Last Refugee" e "Picture That"). A seguir, veio a tradicional sequência que culmina com o sucesso radiofônico de 1979, "Another Brick in the Wall". Um grupo de crianças entrou no palco para cantar e dançar e, na metade, todas tiraram suas camisas, mostrando que havia por baixo camisetas com a palavra "Resist". Foi o fim da primeira parte.
Durante o intervalo, o telão mostrou um discurso sobre a quem se deveria "resistir". Na lista de fascistas, havia uma tarja preta sobre a linha onde, no primeiro show, constava o nome de Bolsonaro. Esta foi a única apresentação da turnê brasileira realizada após a eleição e Waters não fez qualquer referência ao Presidente eleito. Somente a plateia, em alguns momentos, se dividiu entre gritos de "Ele Não" e vaias, estas em apoio ao candidato vencedor.
Uma bem-vinda surpresa nesta turnê é a revisitação ao álbum Animals, de 1977, que é um de meus três preferidos do Pink Floyd (junto com os dois anteriores, Dark Side of the Moon e Wish You Were Here). O disco vinha sido pouco valorizado nos últimos tempos. Ele não entrou, por exemplo, na série de relançamentos especiais "Immersion", que pegou apenas os dois precedentes já citados e o posterior, The Wall. Pois na volta do intervalo o palco se transformou numa reprodução da capa do LP, ou seja, a Usina Battersea, com direito a chaminés se erguendo e um porco inflável amarrado entre duas delas. E aí se ouviu a ótima "Dogs". Foi também nesse momento que começou a chover. Por sorte eu havia conferido uma previsão do tempo atualizada antes de sair de casa e tinha levado uma capa de chuva. 
Outro porco voador circulou por sobre a plateia durante "Pigs (Three Different Ones)", que era a minha favorita do LP na época do lançamento (hoje já não tenho certeza). Enquanto isso, o telão não poupava farpas ao presidente Trump, com fartas exibições de seu rosto. O visual sempre foi um ponto forte dos shows dos ex-Pink Floyd, mas desta vez Roger trocou a tradicional tela circular por um formato meio "cinemascope". As imagens eram bem impactantes.
Mais uma vez retornando ao Dark Side, a banda apresentou "Money", depois "Us and Them". Roger quebrou a sequência de canções do clássico de 1973 com outra de seu último álbum, no caso, "Smell the Roses", mas logo retomou o velho disco (representado por um prisma de raio laser em frente ao palco) com "Brain Damage" e "Eclipse".  
Roger avisou que iriam tocar logo a saideira, pois uma tempestade estava se aproximando e poderia haver risco para todos. De fato, os relâmpagos já estavam dando um show à parte, a ponto de ganharem reações entusiasmadas do público. Houve quem entendesse que alguma música do set list foi excluída. Eu acho que ele apenas dispensou o ritual do fim falso e bis programado, deixando de sair e voltar aos gritos de "mais um". E assim ele emendou direto a linda "Comfortably Numb", encerrando um espetáculo absolutamente perfeito de rock progressivo. 

P.S.: Ele pode ter deixado de cantar "Mother" como parte do bis. Essa ele tocou no Rio, como acabam de me informar.

quinta-feira, novembro 01, 2018

Feira do Livro

Já abriu a Feira do Livro de Porto Alegre! Aí estamos o jornalista Glei Soares (meu conhecido desde os velhos tempos do Colégio Pio XII) e eu em frente à barraca da ARI - Associação Riograndense de Imprensa.

Em tempo: ainda pretendo publicar um comentário com fotos sobre o show de Roger Waters. Pode demorar um pouco, mas virá.