Não sei se é a evolução da Medicina ou a velha lógica de que "no dos outros é refresco". Só sei que, depois que virei adulto e dono de minhas decisões, nunca mais precisei tomar uma injeção. Curioso, não? Quando a minha mãe é que resolvia, eu não escapava. Eu tinha nove anos no dia 13 de fevereiro de 1970 e estava na casa da praia, em Atlântida, quando tive um febrão. Minha mãe sentenciou que seria melhor erradicar de vez minha doença na agulha de uma seringa. Como é fácil decidir sobre a dor alheia! Mas por que eu lembro a data? Por causa deste jornal:Como eu poderia esquecer? Esse tigre parecia debochar do meu martírio! O jornal estava em cima de minha cama. Enquanto eu fitava o desenho fixamente como uma espécie de fuga, a agulha consumava sua humilhante (e dolorida!) penetração. Alguns dias depois - ou teria sido no ano seguinte? - encontrei essa capa de jornal novamente na garagem e aquele torturante momento me voltou à lembrança. O tigre, no caso, é Shere Khan. Isso foi bem na época do lançamento do filme Mogli em Porto Alegre.
É por isso que eu adoro folhear jornais antigos no Museu de Comunicação. É uma legítima viagem no tempo, para mim. Em minha infância eu não era exatamente "leitor" de jornais, mas na Zero Hora eu sempre achava algo que captava o meu interesse. Desde o ano anterior, ou talvez antes, que o jornal era comprado todos os dias em nossa casa (além de recebermos regularmente o Correio do Povo, que era um dos poucos que ofereciam assinaturas e praticamente todas as famílias gaúchas tinham). Mas, no dia 12 de julho de 1969, um sábado, fiquei sabendo ainda pela manhã que "não tinha mais Zero Hora" nas bancas. Naquela época eu me interessava pelos pôsteres coloridos que o jornal publicava. Quando soube pela televisão quem estava no pôster do dia, quase surtei:
Por isso o jornal tinha esgotado tão depressa! O ratinho Topo Gigio era a febre do momento entre as crianças. E eu, como todos da minha idade, era fã. Depois meu irmão, que trabalhava na TV Gaúcha, me conseguiu alguns pôsteres que não haviam passado no controle de qualidade. A cor estava levemente manchada, mas eu só fui perceber isso alguns dias mais tarde, quando a Zero Hora reprisou o brinde, em razão do sucesso.
Minhas visitas ao Museu de Comunicação geralmente têm um objetivo, mas acabo aproveitando para descobrir outras coisas. No dia em que as pesquisas forem totalmente digitalizadas, essa informalidade de folhear o próprio jornal, com toda a calma e deleite, provavelmente se acabe. Assim como a surpresa de achar coisas de cuja existência nem se sabia. Aproveitei uma de minhas buscas para localizar o título de um filme a que eu lembrava de ter assistido em março de 1970. Fui com um colega de aula e nunca esqueci que, enquanto esperávamos a sessão começar, eu dei a ele uma notícia quentinha e ele não acreditou: João Saldanha não era mais o técnico da Seleção. Mais sobre isso adiante. No caso, o título do filme que eu procurava era este:
Graça a essa informação, consegui encomendar o DVD respectivo da Amazon, já que ainda não saiu no Brasil:
Mesmo assim, um detalhe não "fechou". Pelo que vi nos jornais, esse filme saiu de cartaz alguns dias antes da queda de Saldanha, que está registrada abaixo:
Então, puxando pela memória, percebi que o filme antes do qual eu havia dado a notícia para o meu colega era na verdade "Não Aperta Aparício", de José Mendes. Mas tudo bem, foi também em março de 1970. Assistimos aos dois filmes naquele mês.
Eu também batia os olhos na página de quadrinhos, embora não tivesse paciência para realmente acompanhar as histórias. Muitas vezes me perguntei se eu seria capaz de achar novamente uma tirinha do Batman que ficou gravada em minha memória. Pois consegui. É esta:
Foi publicada no dia 6 de maio de 1970. Fazia pouco tempo que eu tinha aprendido que "Física" não se referia somente a "Educação" Física, mesmo assim o conceito ainda era nebuloso para mim. Mas esse diálogo entre Batman e Robin eu nunca esqueci. Observem que o Batcomputador era melhor do que o Google: ele descobria qualquer informação sobre os suspeitos que a Dupla Dinâmica investigava. Bem que eu gostaria de encontrar essa história completa para ler hoje. As editoras americanas até republicam tirinhas de jornais (as chamadas "comic strips" ou "daily strips") em formato de livro, mas normalmente só as primeiras, pelo interesse histórico. Tentei achar alguma informação sobre essa historinha na Internet e só o que encontrei foi uma citação no New Straits Time, da Malásia, em uma matéria de 26 de fevereiro de 1989:
Agora percebo que escrevi sobre pesquisas de jornais e quem citei? Shere Kahn, Topo Gigio, Capitão Nemo, Batman e Robin. Mas tudo bem: são jornais que lembram a infância, como bem indica o título deste tópico. Parabéns à Zero Hora por sempre ter dado atenção aos pequenos leitores. Assim a gente vai se interessando por jornais desde criança.
P.S.: Uma pessoa observou que eu tinha escrito "Não Aparta, Aparício". Já fiz a correção. Mas até que seria um bom título para um filme, não? Ou um bom tema para uma música. "Não aparta, Aparício, deixa os dois agarradinhos, que eles estão gostando!"