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sábado, outubro 27, 2018
Lição do Thor
De todas as histórias do Thor que eu li na infância, esta foi a que teve o desfecho mais simplório. Os alienígenas possuíam o poder de se transformar no que quisessem, então o Deus do Trovão ordenou que eles se tornassem árvores. Um deles cochichou para o outro: "Ele esqueceu que podemos nos transformar de volta a qualquer momento." E o outro respondeu: "Assim que ele for embora, nos libertaremos." Mas, depois que eles obedeceram à ordem, tornaram-se vegetais e perderam a capacidade de pensar. Como sentenciou Thor no final acima, foi a última mudança que fizeram. Seriam árvores para sempre.
Isso é sugestivo, não? Certas escolhas, se não forem feitas com cuidado, podem levar a alterações irreversíveis. Ou de mais longa duração do que supúnhamos. Imaginem a situação: "As coisas aqui em cima não estão nada boas, então vamos nos atirar do precipício, para ver o que há lá embaixo. Se não der certo, a gente volta."
É hora de pensar bem em nossas opções, ou corremos o risco de virar árvores. E ainda sermos podados depois.
Estreia hoje, no Canal Brasil, o documentário em 13 episódios intitulado "MPB 73 - O Ano da Reinvenção". Irá ao ar às 21 e 30, com reprise no domingo às 12h e segunda-feira às 17h. Foi inspirado no livro "1973, o Ano que Reinventou a MPB", organizado por Célio Albuquerque, que assumiu o roteiro e direção de conteúdo do programa. Eu contribuí com um depoimento sobre os Secos e Molhados, que foi o "meu" capítulo da obra. A foto acima é de 24 de agosto do ano passado, em que fui ao Rio de Janeiro para gravar minha participação (ver aqui). Foi tirada no saudoso Bossa Nova & Cia, que encerrou suas atividades recentemente. Eu estou à esquerda e Célio, à direita.
Segundo os detalhes que foram publicados no site Rota Cult (ver aqui), eu ainda não aparecerei hoje. Mas não importa, vale a pena ver e gravar a série toda. A direção artística é de João Faissal.
Nunca vi problema algum em Bolsonaro não querer comparecer aos debates. Faz parte do jogo eleitoral. Ninguém pode ser impedido de ganhar votos por não responder a perguntas, seja por evasivas ou simplesmente pela ausência. Eu até diria que, do ponto de vista dele, ele tomou a decisão certa. Mas, no momento em que a Globo cancela o programa com os dois presidenciáveis por esse motivo, eu imediatamente lembro do que a emissora fez com Lula em 2006, quando o então Presidente que concorria à reeleição não foi ao debate no primeiro turno. Montou um circo patético com jornalistas e demais candidatos dirigindo perguntas a uma cadeira vazia. Fiz um comentário rápido, na época. Leiam aqui.
Compareci ontem ao pub Sgt. Pepper's, em Porto Alegre, para ver uma de minhas bandas gaúchas preferidas: o Canto Livre. Imaginei que eles iriam repetir o repertório da apresentação de 5 de junho no Foyer do Teatro São Pedro (vejam aqui), mas eles incluíram algumas surpresas. Uma delas foi a bonita "Primeira Canção da Estrada", de Sá, Rodrix e Guarabyra. A outra foi como um presente para mim: "Voando Alto", clássico do saudoso Inconsciente Coletivo, do qual o integrante Calique chegou a fazer parte. Antes de o Canto Livre cantá-la, Calique citou meu nome, lembrou de quando assisti a um ensaio do Inconsciente aos 15 anos, pouco depois da entrada dele na formação (como contei aqui), e recomendou meu Blog. Muito obrigado! O vocal solo foi do novo membro Flávio Englert e, por detalhes da melodia, percebi que a interpretação não se baseou no compacto lançado em 1976, o que me foi confirmado depois por Calique. Ficou lindo!
O show teve participação especial do Guri de Uruguaiana, que fez um rápido monólogo de humor e cantou as já clássicas adaptações da letra do "Canto Alegretense" com diversas melodias conhecidas, como "Blowing in the Wind" de Bob Dylan e "Sozinho" de Peninha (imitando a versão de Caetano). Depois o grupo voltou ao palco e Calique explicou ao público que Jair Kobe (a "identidade secreta" do Guri) havia sido fundador do Canto Livre. E assim, com o ex-integrante temporariamente de volta, eles cantaram o Hino Riograndense e depois "Baile de Candeeiro", que chegou a ser o tema do Galpão Crioulo nos anos 80. Na foto acima, da esquerda para a direita: Pedro Guisso, Maria do Carmo Dischinger, Jairo Kobe, Selma Martins, Carmen Nogueira, Jair Kobe, Vânia Mallmann, Flávio Englert (atrás) e Calique Ludwig. Obrigado pelo espetáculo maravilhoso com direito a uma menção pessoal. Senti-me presenteado. Vai ter de novo no dia 31. Não percam!
Aqui, Jair Kobe sem o disfarce de Guri de Uruguaiana.
Sugestão para quem posta vídeos de conteúdo político no Facebook: o tempo ideal é um minuto. Se precisar se estender um pouco mais, então dois. Se achar realmente necessário, vá no máximo até três minutos. Mais do que isso, ninguém tem paciência para assistir. Principalmente se for alguém a quem você pretenda convencer a mudar o voto.
Seguindo a tradição internética, no Dia da Criança, publico aqui uma foto da minha infância. Com um ano de idade eu já era um "interessante menino". A nota acima é do saudoso Jornal do Dia, de Porto Alegre, para o qual minha mãe colaborava. Até a Dona Irene, quem diria, grande dentista, atacou de jornalista por algum tempo. Meu pai trabalhou no Diário de Notícias nos anos 40, então como eu não poderia buscar esse caminho em algum momento? A propósito, Emílio era meu avô materno (Otto Emílio Dreyer), por isso eu já nasci "Emilinho".
A polêmica é antiga nas redes sociais. Acredito que tenha sido em 2014 que eu li pela primeira vez uma crítica debochada de um amigo a pessoas de direita que curtem Pink Floyd, David Bowie, U2, John Lennon e outros. São artistas, se não assumidamente de esquerda, ao menos identificados com esse alinhamento político. E a turma da direita que é fã desses músicos seria gente desinformada, que não entende a mensagem que eles passam. Se entendessem, não seriam fãs. Mesmo sabendo que poderia, talvez, estar "dando munição para o inimigo", educadamente discordei. Uma coisa não tem necessariamente a ver com a outra. Eu próprio, na adolescência, era um alienado convicto, como já disse várias vezes. No tempo do bipartidarismo, eu me considerava Arenista, ou seja, de direita. Ainda que não tivesse idade para votar. Mas adorava Pink Floyd, David Bowie e John Lennon. No fundo, eu nutria uma admiração secreta por alguns notáveis da esquerda, pela coragem de contestar. Mas era de direita. Na entrada dos anos 70, muitos ficaram na expectativa para ver qual artista da música sucederia aos Beatles na dominação total da década. Não houve unanimidade. Mas eu diria que, no Brasil, o Pink Floyd, apesar de ser um grupo de rock progressivo, se popularizou bastante. Quase todos os apreciadores de música tinham o Dark Side of The Moon, lançado em 1973. Em 1979, a banda conseguiu a façanha de ter um sucesso radiofônico, "Another Brick in the Wall", e jogar sua rede sobre uma nova geração de fãs. Algum deles se preocupou e saber das mensagens políticas do álbum The Wall? Nem todos. Talvez a razão possa ter sido a barreira do idioma, dirão alguns. Mas não foi bem isso. Os fãs do Pink Floyd apreciam em primeiro lugar a melodia, os arranjos, a primorosa execução dos instrumentos. O belo jogo das vozes de David Gilmour, Roger Waters e o saudoso Rick Wright. E isso vale para a fruição do universo da música em geral. Não vai muito longe: conheço fãs de Chico Buarque que são de direita. Principalmente mulheres ("aqueles olhos..."). Vejam bem, não estou afirmando que ninguém preste atenção nas letras ou se importe com a mensagem das músicas. Apenas acho que não se pode presumir que a direita não vá apreciar artistas de esquerda. E vice-versa, por que não? Eu próprio me decepcionei bastante com o posicionamento assumido por vários ídolos meus na música brasileira, mas não deixei de gostar do trabalho deles. Certo. Mas no momento em que alguém vai a um show de Roger Waters, o mais politizado dos ex-integrantes do Pink Floyd, no mínimo, já deveria saber o que poderia vir. Terça à noite, no Allianz Parque, em São Paulo, teve "Ele Não" e a citação de Bolsonaro numa lista de fascistas do mundo todo no telão. No dia seguinte, ficou de fora o "Ele Não", mas a relação dos fascistas deu um destaque especial ao nome do candidato a Presidente com uma tarja de "censurado" piscando e, por fim, desaparecendo. Não sei se alguém da produção pediu a ele que não fizesse mais, mas se aconteceu, Roger deu um recado muito claro: não gostei da censura. Ouvintes de todas as vertentes políticas cultuam a memória do Pink Floyd e acompanham as carreiras solo de seus dois principais ex-membros, Roger Waters e David Gilmour. Não é preciso ser de esquerda ou concordar com as letras para isso. Mas a história de Waters é bem conhecida e já era previsível que ele fosse se manifestar neste momento crítico da política brasileira, estando entre nós em plena época de eleição. Quem se surpreendeu com isso, estes, sim, mostraram desinformação.
Em 2013, Luis Fernando Verissimo publicou uma excelente crônica intitulada "Alternativa". Pois recentemente ele escreveu outra, chamada "Respire fundo", que é praticamente uma edição revista e atualizada da anterior. Clique nos links para lê-las e compará-las.
Nesse fim de semana o Canal Brasil exibiu um documentário sobre o músico uruguaio Hugo Fattoruso. O jornalista Márcio Pinheiro escreveu um comentário sobre o programa para o site AmaJazz (leiam aqui) e me convidou para contribuir com uma matéria sobre os Shakers, a banda que Hugo criou com seu irmão Osvaldo nos anos 60 (leiam aqui). É uma honra estrear num site onde se encontram críticos e colaboradores de altíssimo quilate.
O jornalista carioca Ricardo Schott, que mantém o excelente site Pop Fantasma, deixou este recado no Facebook. Gostei tanto do que li que fiz questão de trazer para cá. Assino embaixo.
Tenho encontrado mensagens de amigos diversos, todas com um tom em comum: decepção com pessoas queridas. Gente que considerávamos "do bem" declarando seu apoio a um candidato de valores retrógrados, mesquinhos, preconceituosos e inescrupulosos. "Está na vida mundana e depois quer cobrar do poder público um tratamento [de AIDS] que é caro." "Gostar de homossexual, ninguém gosta, a gente suporta." "O grande erro [do regime militar] foi torturar e não matar." Tudo isso está registrado em vídeo, é só procurar.
Sim, eu sei que a situação que se configura é ter que escolher entre ele e a esquerda. E tem gente que não suporta a esquerda. Mas não acho que isso justifique o apoio a ele. Nada justifica. E não é só essa a questão: o que vejo são pessoas exaltando esse sujeito! Como se fosse um exemplo de bom cidadão.
Não dá pra entender. Não dá mesmo. Não enxergam a perversidade que ele próprio faz questão de escancarar? Ou se identificam secretamente com ela?
Encaro a democracia como um avião que foi avariado, mas segue voando. E pretende aterrissar são e salvo ao final destas eleições. Não, não consigo esquecer o impeachment sem crime e a condenação sem provas, ambos articulados pelos setores influentes com conivência das partes relevantes. Mas ainda temos o voto.
Acho bonito o discurso de não desfazer amizades por causa de política. O problema é que, em alguns casos, não há como continuar enxergando os amigos com os mesmos olhos. Primeiro, movimentam-se para jogar meu voto no lixo, num total desrespeito à eleição e ao processo democrático. Depois, comemoram em tom de deboche. Por fim, declaram seu apoio a um fascista. O que resta para se admirar?
Em meio a tantos desapontamentos e crises, eu mantenho a esperança. Vamos votar. Mas "nele", não. "Nele", nunca.
No momento em que existem duas bandas com nome Yes comemorando os 50 anos do conjunto original, era grande a expectativa dos fãs por este registro ao vivo. Não é a primeira vez que surge um "outro Yes", mas o de 1989 teve que se chamar Anderson, Bruford, Wakeman and Howe, já que a marca pertencia ao baixista Chris Squire. Naquela ocasião, o Yes "mesmo" não chegou a atuar em paralelo, pois os integrantes logo se reuniram numa formação abrangente e lançaram Union em 1991.
Desta vez a situação é diferente. O Yes supostamente "legítimo" já estava excursionando com um vocalista substituto e ainda teve a infelicidade de perder Chris Squire, falecido em 2015. Enquanto isso, Jon Anderson, membro fundador, considerado por muitos a única voz genuína do grupo, e Rick Wakeman, o tecladista da formação clássica dos anos 70, decidiram voltar a fazer música juntos. Juntou-se a eles o guitarrista sul-africano Trevor Rabin, responsável pela fase mais pop do Yes na década de 80. A princípio, iriam se chamar Anderson Rabin Wakeman, mas de alguma forma conseguiram também usar o nome Yes.
O show que está sendo lançado em CD, DVD e Blu-ray traz um repertório equilibrado entre os clássicos obrigatórios dos tempos de Wakeman e as canções mais acessíveis de Trevor Rabin. A inclusão de "Owner of a Lonely Heart" não é surpresa, pois essa se eternizou no set list também da linhagem oficial desde o sucesso em 1983. Mas outras pérolas radiofônicas foram resgatadas, como "Hold On", "Rhythm of Love", "Changes" e "Lift Me Up".
Do Yes progressivo dos anos 70, ouvem-se "I've Seen All Good People", "And You and I", "Heart of the Sunrise", "Awaken", "Long Distance Runaround" e "Roundabout". Considerando que Rick Wakeman e Trevor Rabin foram os que tocaram juntos por menos tempo em suas passagens pelo grupo (o tecladista fundador Tony Kaye foi trazido de volta nos anos 80), a sintonia entre os dois é surpreendente. Interagem com humor, trocam boas energias e ainda passeiam no meio da plateia durante "Owner of a Lonely Heart".
A música do Yes sempre foi de quinteto, de forma que é preciso complementar o trio de ex-integrantes com músicos de apoio. É aí que entram o baterista Louis Molino III e o baixista Lee Pomeroy, também somando nos vocais. O canhoto Pomeroy, em especial, tem a responsabilidade de recriar as linhas de baixo de Chris Squire, considerado um dos melhores executores do instrumento em todos os tempos. Mas ele se sai bem. Aliás, o desempenho de todos é excelente, bem como o registro em Blu-ray, com ótima qualidade de som e imagem. Existe opção 5.1, mas essa apenas reserva os canais de trás para as reações do público, então preferi 2.0, mesmo, resultando numa sonoridade mais sólida em estéreo. (A edição em CD traz as músicas completas, mas omite as conversas entre uma e outra.)
Com o Yes "alternativo" devidamente aprovado, a pergunta que fica é: quem ainda se interessará pelo Yes "oficial", tendo apenas o guitarrista Steve Howe e o baterista Alan White da formação clássica? Quando eles estiveram em Porto Alegre em 2013 (como registrei aqui), havia somente um Yes excursionando e, principalmente, o grande Chris Squire ainda estava na banda. Agora o Yes de Jon Anderson, Rick Wakeman e Trevor Rabin pode fazer com que o outro fique parecendo um grupo de cover.
Jornalista free-lancer apaixonado por música. Minhas colaborações mais frequentes foram para o International Magazine, mas já tive matérias publicadas em Poeira Zine e O Globo. Também já colaborei com os sites Portal da Jovem Guarda e Collector's Room. Em 2022, publiquei "Kleiton & Kledir, a biografia". Aqui no blog, escrevo sobre assuntos diversos.