quinta-feira, outubro 11, 2018

Música versus política

A polêmica é antiga nas redes sociais. Acredito que tenha sido em 2014 que eu li pela primeira vez uma crítica debochada de um amigo a pessoas de direita que curtem Pink Floyd, David Bowie, U2, John Lennon e outros. São artistas, se não assumidamente de esquerda, ao menos identificados com esse alinhamento político. E a turma da direita que é fã desses músicos seria gente desinformada, que não entende a mensagem que eles passam. Se entendessem, não seriam fãs. 

Mesmo sabendo que poderia, talvez, estar "dando munição para o inimigo", educadamente discordei. Uma coisa não tem necessariamente a ver com a outra. Eu próprio, na adolescência, era um alienado convicto, como já disse várias vezes. No tempo do bipartidarismo, eu me considerava Arenista, ou seja, de direita. Ainda que não tivesse idade para votar. Mas adorava Pink Floyd, David Bowie e John Lennon. No fundo, eu nutria uma admiração secreta por alguns notáveis da esquerda, pela coragem de contestar. Mas era de direita.

Na entrada dos anos 70, muitos ficaram na expectativa para ver qual artista da música sucederia aos Beatles na dominação total da década. Não houve unanimidade. Mas eu diria que, no Brasil, o Pink Floyd, apesar de ser um grupo de rock progressivo, se popularizou bastante. Quase todos os apreciadores de música tinham o Dark Side of The Moon, lançado em 1973. Em 1979, a banda conseguiu a façanha de ter um sucesso radiofônico, "Another Brick in the Wall", e jogar sua rede sobre uma nova geração de fãs. Algum deles se preocupou e saber das mensagens políticas do álbum The Wall? Nem todos. 

Talvez a razão possa ter sido a barreira do idioma, dirão alguns. Mas não foi bem isso. Os fãs do Pink Floyd apreciam em primeiro lugar a melodia, os arranjos, a primorosa execução dos instrumentos. O belo jogo das vozes de David Gilmour, Roger Waters e o saudoso Rick Wright. E isso vale para a fruição do universo da música em geral. Não vai muito longe: conheço fãs de Chico Buarque que são de direita. Principalmente mulheres ("aqueles olhos...").

Vejam bem, não estou afirmando que ninguém preste atenção nas letras ou se importe com a mensagem das músicas. Apenas acho que não se pode presumir que a direita não vá apreciar artistas de esquerda. E vice-versa, por que não? Eu próprio me decepcionei bastante com o posicionamento assumido por vários ídolos meus na música brasileira, mas não deixei de gostar do trabalho deles. 

Certo. Mas no momento em que alguém vai a um show de Roger Waters, o mais politizado dos ex-integrantes do Pink Floyd, no mínimo, já deveria saber o que poderia vir. Terça à noite, no Allianz Parque, em São Paulo, teve "Ele Não" e a citação de Bolsonaro numa lista de fascistas do mundo todo no telão. No dia seguinte, ficou de fora o "Ele Não", mas a relação dos fascistas deu um destaque especial ao nome do candidato a Presidente com uma tarja de "censurado" piscando e, por fim, desaparecendo. Não sei se alguém da produção pediu a ele que não fizesse mais, mas se aconteceu, Roger deu um recado muito claro: não gostei da censura.   

Ouvintes de todas as vertentes políticas cultuam a memória do Pink Floyd e acompanham as carreiras solo de seus dois principais ex-membros, Roger Waters e David Gilmour. Não é preciso ser de esquerda ou concordar com as letras para isso. Mas a história de Waters é bem conhecida e já era previsível que ele fosse se manifestar neste momento crítico da política brasileira, estando entre nós em plena época de eleição. Quem se surpreendeu com isso, estes, sim, mostraram desinformação.