Fim de um ano atípico
O ano de 2020 começou normal, aparentemente. Em janeiro, comemorei o aniversário do meu filho no Barranco, como sempre. Compareci ao velório de Ibsen Pinheiro, para dar uma força a seu filho Márcio e família. O lendário guitarrista Zé Flávio esteve na minha casa, para que eu pudesse entrevistá-lo para o meu livro. Em fevereiro, concluí uma empreitada que acabou levando 16 anos, que foi a leitura da Bíblia, para pagar uma promessa.
Março, ao menos para mim, também iniciou tranquilo. No dia 9, encontrei-me com o escritor Cristiano Bastos no centro de Porto Alegre para comprar o livro dele, "Nova Carne Para Moer". No dia 11, visitei o jornalista Ney Gastal em sua residência, também no centro, para entrevistá-lo. Dia 13, sexta-feira, trouxe meu filho direto da escolinha para minha casa, para passar o fim de semana comigo. Jamais prevendo que seria a última vez que ele viria neste ano.
Eu não estava acompanhando nada sobre o coronavírus na imprensa. Tomei conhecimento dele por minha terapeuta. Lembro que, nesse último fim de semana que meu filho passou na minha casa, já se sabia do Covid. Mas não se imaginava a dimensão que ganharia.
De repente, começou a quarentena. Parou tudo. Num primeiro momento, sumiram das farmácias as máscaras e os frascos de álcool gel. Temia-se por escassez de produtos, mas felizmente o abastecimento logo normalizou. Ainda assim, fiz um estoque de comida e remédios para um mês. Não podia imaginar que a situação se estenderia indefinidamente. Falava-se muito na importância de lavar as mãos, então comprei vários pacotões de sabonetes, receando que pudessem faltar nos supermercados. E muitas latas de atum e pacotes de massa miojo.
No início eu não saía de casa de jeito nenhum. Nem para buscar comida no restaurante que fica ao lado do meu condomínio. Pedia tudo por telefone. Aos poucos, sempre de máscara, fui perdendo o medo. Já ia na fruteira, nas farmácias e no restaurante. Não lembro em que mês do primeiro semestre precisei fazer um exame na Serpal. Só sei que, antes de pegar o carro no estacionamento para voltar, caminhei de uma esquina à outra na Dom Pedro II, apenas para desfrutar novamente de uma breve sensação de liberdade. Tive esse mesmo gostinho o dia em que me permiti dar uma volta na quadra, aqui onde moro. Até que, após uma conversa com minha médica, tornei a dar caminhadas, usando máscara e evitando horários e locais de aglomeração.
Por tudo isso é que, considerando as circunstâncias, eu até me sinto abençoado. Estou aposentado e sempre gostei de ficar em casa, onde me cerco das coisas que me dão prazer: livros, CDs, DVDs, Blu-rays, Internet e, mais ainda agora, o livro que estou escrevendo. Por duas vezes já encontrei no Facebook postagens de amigos perguntando: este foi o pior ano de sua vida? Meu, não foi. Tive um momento bem mais complicado pelo qual não quero passar nunca mais. Mas foi, sim, um ano melancólico. Sempre vou lembrar do estoque de enlatados e massas nas sacolas que acabei deixando num canto da antessala da cozinha (agora não está mais lá). Ou da bagunça que foi se acumulando ao meu redor, já que as faxinas foram em número bem reduzido neste ano.
Mas a dificuldade maior, sem dúvida, é não poder sair com meu filho. Se fosse só a questão de caminhar com ele, teria solução. Mas não, pra ele todas as saídas têm que ser "para comer". Então só o que posso fazer é levá-lo ao drive thru do McDonald's e comermos no carro, mesmo. Eu também o visito bastante a pé e levo umas comidinhas gostosas para ele. Como ele não fala (por ser autista não-verbal), tenta sinalizar que quer sair de diversas formas. E vejo nos olhos dele os pontos de interrogação. Mas ele já se acostumou com a nova rotina. Além das visitas e das idas ao McDonald's, também falo com ele todas as noites por ligação de vídeo do Whatsapp.
Mas eu, ele, a mãe dele, os irmãos dele, meus irmãos e meus sobrinhos (e sobrinhos-netos e sobrinho-bisneto) estamos todos bem de saúde, graças a Deus. Tomamos todas as precauções e, até agora, tem dado certo. Lamento pelas pessoas que vejo sem máscara não só na rua mas também em locais fechados. É muita irresponsabilidade.
Vamos rezar para que, em 2021, tenhamos muita saúde e muitas vacinas, para que a vida possa voltar ao normal. Feliz Ano Novo para todos nós!