Não importa que opinião você tenha de Carlos Imperial. Se o assunto "música brasileira" lhe interessa, a biografia do compositor/teatrólogo/cineasta/apresentador capixaba é leitura obrigatória. "Dez! Nota dez! Eu sou Carlos Imperial", de Denilson Monteiro, é um relato ponderado de uma vida nada monótona.Possivelmente nunca houve um personagem tão ambíguo no mundo artístico brasileiro. Apesar da fama de cafajeste e das vaias que recebia na TV, às quais respondia com beijos, Imperial surpreendia a quem o conhecia pessoalmente com sua educação e cordialidade. Era extremamente correto com os atores de suas peças. Pagava-os pontualmente e, se o dia do pagamento caísse num sábado, em dinheiro. Quando encenou "Viva a Nova República" em 1985, dobrou o salário do elenco depois de conseguir cobrir os custos de produção. Ao saber que Nina de Pádua era uma atriz global de sucesso, deu-lhe um aumento exclusivo. Seguiu pagando a equipe do "Programa Carlos Imperial" por um bom tempo após o cancelamento na TVS, na esperança de reestreá-lo em outra emissora (não conseguiu). Era um pai para as modelos e dançarinas que trabalhavam com ele, exceto aquelas que vinha a namorar. Não raro, apaixonava-se e parecia abandonar a vida de mulherengo para se dedicar à musa da hora. Mostrava-se radicalmente contra álcool, drogas e cigarros, chegando a policiar o irmão e o filho, que gostava de "contestar o mundo" (eufemismo para "fumar maconha"). Ajudava e era ajudado pelos amigos.
Por outro lado, tinha o péssimo hábito de nem sempre dar crédito a seus parceiros quando as músicas eram lançadas em disco. Passou o calote num motorista de táxi a quem escalou para atender a Chubby Checker durante a estada do rei do twist no Brasil. Descobriu que podia registrar em seu nome músicas de domínio público, como "Meu Limão, Meu Limoeiro", e passou a fazê-lo sem o menor escrúpulo. Já a acusação de que "A Praça" teria sido roubada de um autor desconhecido é apresentada no livro como uma de suas muitas armações para atrair publicidade. Só que o tiro saiu pela culatra, pois apareceu outro acusador para incomodá-lo. E também sua credibilidade ficou abalada. Quando compôs "Você Passa, Eu Acho Graça" em parceria com Ataulfo Alves, houve quem duvidasse da verdadeira contribuição de Imperial à música. Mas Ataulfo confirmou que era para valer.
Uma questão que o livro não responde, deixando para o leitor tirar suas próprias conclusões, é: teria sido Carlos Imperial o responsável pela notícia falsa que quase acabou com a carreira de Mário Gomes em 1977? Aquela da cenoura? A nota que saiu sem assinatura em "A Luta Democrática" foi imediatamente repercutida por Imperial em um depoimento para o mesmo veículo. A rixa entre os dois vinha de um processo movido pelo ator em razão da mudança do nome do filme de que participara de "Ele, ela e o etc" para "O Sexo das Bonecas". E, principalmente, pela elaboração de um cartaz com uma ilustração em que Gomes aparecia de batom e maquiagem feminina. O recolhimento e a substituição dos cartazes atrasaram em dois meses o lançamento do filme produzido por Imperial. A calúnia teria sido o troco por esse incômodo.
Mocinho ou vilão, Carlos Imperial foi importante no começo de muitas carreiras célebres: Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Renato e Seus Blue Caps, Ed Wilson, Wilson Simonal, Fábio, Guilherme Lamounier, Tony Tornado e Dudu França. A biografia conta ainda os 15 minutos de fama de sua filha Maria Luíza como jurada do programa Flávio Cavalcanti, onde se mostrou uma versão jovem e feminina do pai: impiedosa e sem papas na língua. Não poderia faltar também a incursão de Imperial na política como vereador do Rio de Janeiro e posteriormente na criação de um "Partido Tancredista Nacional", para valer-se da popularidade do Presidente que faleceu antes de assumir.
Denilson Monteiro realizou a pesquisa de texto e imagem do livro "Vale Tudo - o Som e a Fúria de Tim Maia", de Nélson Motta. Muito do material coletado serviu para este novo projeto que agora ele próprio assina. Aproveitando o embalo, bem que ele poderia focalizar outros personagens dessa história. Considerando que já saíram livros sobre Tim Maia, Simonal, Fábio, Erasmo Carlos e Roberto Carlos, que tal Renato e Seus Blue Caps?