Em 1988, ainda não existiam cartões de crédito internacionais
no Brasil e as importações eram bastante restritas. Certo vendedor de discos
raros tinha também vários livros importados sobre música em sua loja e eu ia lá
dar uma examinada de tempos em tempos. Comprei alguns. Um dia ele me falou que
não iria mais trabalhar com livros, pois as vendas eram mínimas, "o
pessoal não sabe inglês", concluiu. Por isso, me ensinou como fazer para
importá-los. Eu teria que pedir uma fatura pró forma (pro forma invoice) para a editora. De posse desse documento,
poderia remeter o valor por algum banco que operasse com câmbio. Eu teria que
pagar 30 dólares só por essa operação, fora o preço do livro e da remessa. E a
mercadoria ainda levava uns três meses para chegar, pois vinha por superfície (surface mail). Era caro e demorado, mas
eu queria muito comprar livros importados sem depender daquelas livrarias que
só diziam "podemos encomendar" e depois respondiam "não tinha em
São Paulo", como se o mundo acabasse lá.
Minha primeira aquisição por esse esquema foi a biografia
"Alias David Bowie", de Peter e Leni Gillmann. Ainda lembro da minha
emoção quando o livro chegou. Uau! Consegui o título que eu queria sem precisar
eu mesmo trazê-lo do exterior, sem depender de atravessadores mal informados e
sem ter que pedi-lo a algum amigo que fosse viajar (e geralmente não encontrava
ou nem procurava, mas hoje eu já entendo que não se deve solicitar esse tipo de
favor, como escrevi aqui). Usando o mesmo processo, fiz assinatura de um ano da
revista inglesa Record Collector. E consegui mais alguns livros, também.
Em 1989, vi na saudosa revista Byte um anúncio de dois
livros técnicos que talvez fossem úteis para a atividade que eu estava
exercendo, na época. Escrevi para a editora McGraw-Hill, em Nova York,
solicitando a fatura para realizar a importação. Algum tempo depois, recebi uma
correspondência da McGraw-Hill do Brasil, em São Paulo, para onde minha carta
havia sido redirecionada. Não lembro dos detalhes exatos, mas eu deveria fazer
a encomenda por eles e a demora seria bem maior do que eu imaginava. Cheguei a
ligar para lá para saber mais detalhes e lembro bem da moça me dizendo que eles
tinham o monopólio de revenda de livros da editora americana para o Brasil.
Fiquei indignado, pois esse foi um caso em que a existência de um escritório
local, ao menos para mim, mais atrapalhou do que ajudou. No ano seguinte,
quando eu nem estava mais trabalhando no mesmo setor, chegou um aviso de que,
se eu ainda quisesse, os livros estavam disponíveis. Nem respondi.
Felizmente, aos poucos, a importação de livros foi ficando
mais fácil. Primeiro, o cartão de crédito internacional me permitiu fazer
encomendas diretamente de livrarias no exterior. Eu via anúncios em revistas
como a inglesa Vox e fazia meus pedidos. Com a Internet, então, facilitou mais
ainda. Esses dias encontrei um marcador de livros de um revendedor on-line da
Inglaterra que foi o primeiro que usei. Mas "me achei", mesmo, na
Amazon. Segundo meu cadastro no site, sou cliente deles desde 1997. No início
minhas compras eram tão assíduas que cheguei a ganhar brindes de fim de ano,
como copos térmicos (dois) e um magneto de geladeira. Em 2011, passei a comprar
audiobooks da Audible, que é ligada à Amazon.
Nesse ínterim, surgiram a Amazon brasileira e, mais
recentemente, a Audible brasileira. Como minhas compras mais frequentes eram da
Amazon americana (e ocasionalmente da inglesa, com o mesmo código de usuário),
não vi vantagem para mim em usar os sites do Brasil. Só criei um cadastro para
a Amazon.com.br quando me interessei em adquirir edições Kindle que não estavam
disponíveis na loja on-line dos Estados Unidos. Para não precisar migrar de uma
para outra, me inscrevi na representante nacional usando outro e-mail e fiquei
com dois perfis distintos, como se fossem clientes diferentes. E com esse outro
registro, testei a Audible brasileira e não gostei, como já descrevi aqui.
Só que agora recebi um "aviso prévio" de que
deverei abrir mão da Audible americana e migrar para a brasileira. Ainda não
informaram o prazo, mas terei de fazer isso em algum momento. Além dos contratempos
que já tive, a Audible Brasil não tem o sistema de assinatura com base em
créditos, que me permite comprar um ou dois audiobooks por mês (conforme o plano)
por preço fixo. Imagino que encontrarei uma forma de resolver os problemas de
habilitação do meu iTunes na Audible brasileira e poder continuar usando o
velho e bom iPod Shuffle para ouvir meus audiobooks. Mas não aproveitarei mais
as ofertas periódicas, os preços combinados das edições Kindle e audiobook que
alguns títulos oferecem, os créditos... Sei que a intenção é boa, mas é
desagradável não mais me sentir bem-vindo em uma loja que sempre me atendeu bem
em 13 anos. É como se a empresa Disney abrisse uma filial de Disney World no Brasil
e com isso não aceitasse mais visitantes brasileiros em Orlando ou Anaheim.
Por isso lembrei do caso da McGraw-Hill em 1989. Eu queria
importar diretamente da matriz e não pude. O fato de existir uma unidade da editora no Brasil, que deveria facilitar, acabou dificultando. Como a Audible agora. E pressinto que, mais cedo ou mais tarde, a Amazon
americana também irá me despejar, após 27 anos. Imagino que, num e noutro caso,
eu poderei manter minhas bibliotecas Audible e Kindle respectivamente. Mas,
novas compras, só das filiais brasileiras.