Sobre o plano de golpe
No final do mês passado, comentando sobre a reeleição de Sebastião Melo para prefeito de Porto Alegre, observei que fatos concretos não fazem ninguém mudar seu apoio político. O que determina a opção do eleitor, acima de tudo, é a paixão ou ódio a um partido ou ideologia. Pois as recentes revelações sobre o golpe de estado que vinha sendo planejado após a eleição de 2022, em especial o plano de assassinar Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes, testam essa teoria em grau máximo. Infelizmente, ela vem se confirmando mesmo nesse caso extremo. Cheguei a ver uma mensagem que dizia: "Se Bolsonaro for preso, vamos imediatamente lotar as ruas do Brasil inteiro e parar o país".
O fato é que as pessoas encontram argumentos, retóricas, subterfúgios, para justificar o injustificável. Não vai muito longe: parte da esquerda fez isso ao concluir que a facada em Bolsonaro havia sido uma encenação. Ninguém quer dar o braço a torcer e admitir que o seu lado cometeu erros. O senador gaúcho Luis Carlos Heinze, do PP, em sua entrevista para a Rádio Gaúcha, fugiu do assunto, criticou as vacinas, disse que quase 100% dos arruaceiros de 8 de janeiro eram da esquerda e voltou a bater na tecla que virou uma espécie de dogma da direita brasileira, que é uma suposta fraude na eleição de 2022. Questionado sobre o fato de a urna eletrônica que ele agora põe em xeque ser a mesma que o levou ao Senado, respondeu que "é diferente".
Sobre o plano de golpe envolvendo assassinato, o jornalista Gérson Camarotti, da Globo News, entendeu ser "um triste capítulo da história do Brasil desde a redemocratização". Foi contestado e criticado com veemência pelo Dr. Nélson Nisembaum, médico e escritor, para quem "tristes" mesmo foram episódios como a homenagem feita por Bolsonaro a um torturador ao votar a favor do impeachment de Dilma, o próprio afastamento da presidenta, o descaso de Bolsonaro com as vacinas e vítimas do Covid e outros acontecimentos lamentáveis. Aqui, desculpe, acho que o Dr. Nélson se deixou levar por uma predisposição contra o jornalista da Globo, a qual pode até ser justificável. Mas eu concordo que foi um capítulo triste. O qual, obviamente, não invalida os demais que ele citou. É uma tristeza constatar que, em plena década de 2020, ainda existem cidadãos achando lícito e possível valer-se de um retrocesso democrático para desrespeitar o resultado de uma eleição. E o que é pior: recorrendo a assassinatos.
Ocorre que nós, que não gostamos de Bolsonaro, ficamos tentados a celebrar, a nos sentirmos eufóricos até, ao vê-lo encurralado diante de acusações tão inquestionavelmente graves. "Ah, bem feito, agora ele se deu mal! Cadeia pra ele!" Mas não deveríamos cultivar esse sentimento. Estaríamos nos rebaixando ao nível dos que comemoraram o impeachment de Dilma e a prisão de Lula por uma gana pessoal mais do que por qualquer outro motivo. Temos que pedir, isto sim, justiça. E ela será feita.
Muitas vezes, nos últimos anos, pensei comigo mesmo que já estávamos politicamente evoluídos o suficiente para que não acontecesse um novo golpe. Pois também essa hipótese acaba de ser testada. Felizmente, se confirmou. Esse detalhe, sim, não deve ser motivo de tristeza. Saber que o bom senso de alguns indivíduos prevaleceu e o plano sórdido não se consumou. Pois que os culpados sejam devidamente punidos na medida exata do crime que cometeram.
É uma pena que, com tudo isso, fica cada vez mais distante o meu sonho de podermos novamente conviver com nossas diferenças ideológicas de forma civilizada, sem brigas. Quem sabe mais adiante.