sábado, fevereiro 14, 2015

O silêncio

Nunca tive a experiência do silêncio absoluto. Graças a Deus. Porque isso só a surdez consegue proporcionar. Quem tem boa audição sempre há de ouvir alguma coisa. Agora mesmo, o que para muitos é um sábado de Carnaval, para mim é uma noite de silêncio. Um silêncio que me traz muita paz. A paz do zumbido do computador, do som esporádico do meu teclar, do sopro quase imperceptível do split que tive a bênção de mandar instalar neste verão. Na distância, de vez em quando, alguma voz se faz ouvir. 

Não admira que haja pessoas que prefiram dormir com barulho de chuva ou algum outro ruído constante e não intrusivo. É uma forma de mascarar pequenos sons que podem acabar importunando. Sem um suave barulho de fundo, você começa a ouvir a própria respiração, algum som da rua, o movimento eventual dos lençóis... Epa, tem mosquito! Certa vez um médico me falou que é perfeitamente normal que, na hora de dormir, qualquer detalhe insignificante consiga incomodar. Na adolescência eu tinha um pigarro noturno bem chatinho. Veio a desaparecer quando fui obrigado a tratar outra condição mais complicada que surgiu na vida adulta: a asma.

Mas hoje não devo dormir cedo. Vou seguir com um trabalho no computador e deixar que o silêncio continue me acalmando. Claro, o silêncio que citei acima. Além dos barulhos mencionados, se eu abrir a porta da cozinha, talvez ouça a geladeira ligando e desligando. 

Como comentei aqui, John Lennon já lançou silêncio em disco por duas vezes. No iTunes é possível comprar quatro segundos de silêncio sob o título "Nutopian International Anthem". Custa um dólar e 29 cents que revertem em direitos autorais para o espólio do ex-Beatle. Ele e sua esposa Yoko já tinham lançado uma faixa intitulada "Two Minutes' Silence", isto é, dois minutos de silêncio. E dizem que os dois "criaram" o silêncio ficando quietos dentro do estúdio. Não duvidaria. 

Diante da constatação de que o silêncio absoluto só existe para os surdos, é curioso que eu me importe tanto com os estalidos e chiados dos discos de vinil. E logo percebo se algum CD usou um LP como fonte. É raro não escapar algum vestígio sonoro. Quero o som puro do CD, mas não me importo com intervenções ocasionais dos meus passos, de uma tossida ou até de uma voz, se tiver companhia para conversar. 

Que silêncio maravilhoso estou escutando. Contraditória essa frase, não? Silêncio que se ouve não deveria ser silêncio. Mas é. É o máximo de silêncio que consigo. Considerando que já morei com a janela em frente a uma rua movimentada no primeiro andar, a diferença aqui é... sussurrante. E hoje é sábado de Carnaval. Mamãe eu quero, mamãe eu quero... uma noite de muito silêncio e paz.

3 Comments:

Anonymous Italo said...

Quando posso, leio durante a madrugada devido a esse "silêncio"! É ótimo também para escrever, o pensamento flui e não é interrompido.

7:42 PM  
Blogger Emilio Pacheco said...

Hoje que moro sozinho, ler sem ser interrompido é uma experiência normal. Mas lembro da primeira vez em que isso aconteceu. Meus pais viajaram e eu fiquei sozinho em casa. Lembro da sensação maravilhosa que foi ler um livro praticamente até o fim, sem interromper.

7:49 PM  
Blogger José Elesbán said...

Caro Emílio,
Sobre termos perdido os pais em nossa juventude, é o resultado de sermos, ambos, "raspa de tacho".
Faz parte. Fez parte.

7:32 PM  

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