Cultural vendido para o Wizard
Estou chocado. Como deixaram acontecer isso?
Na minha infância e adolescência, em Porto Alegre, não se falava em "aprender inglês": dizia-se "fazer o Cultural". Lembro que uma prova de inglês do Vestibular da UFRGS, se não me engano de 1976, foi considerada tão difícil que um dos candidatos afirmou que ela "caiu do céu para quem fez o Cultural", conforme citado em matéria da Zero Hora. No colégio eu me destacava em inglês e todos os colegas me perguntavam se eu "fazia o Cultural". No início, não. Mas tinha vontade de começar. Até que um dia, no terceiro trimestre de 1975, ingressei. Lembro eu e minha mãe sentados lado a lado na cama dela enquanto ela contava o dinheiro para a minha matrícula. Depois me olhou e disse: "vais entrar para o Cultural, finalmente!"
A mesma facilidade para inglês que eu já tinha no colégio, continuei demonstrando no Cultural. Inclusive, o livro era o mesmo, de Robert Lado. A única diferença é que a matéria avançava mais rapidamente, mas sem dificuldade. E eu gostava das aulas. Ao contrário de meus colegas, que olhavam para o relógio para saber se "faltava muito pra terminar", eu conferia as horas para saber quanto tempo mais teria para desfrutar. Cheguei mesmo a voltar para o Cultural em 1984, já tendo todos os diplomas, apenas para fazer cursos avançados. Achei graça quando vi uma colega comentar para outra que só faltavam mais dois cursos especiais e aí ela estaria "livre", esticando os braços numa expressão de alívio. Se ela soubesse que eu já tinha terminado tudo e voltara apenas porque tive vontade, provavelmente me acharia louco.
Recentemente tentei localizar na Internet as músicas didáticas que ouvíamos no laboratório. Descobri que quase todas estavam no LP "Sunday Afternoons", lançado em 1973 pela Longman. Aquelas músicas marcaram minha adolescência tanto quanto as que eu escutava na Rádio Continental ou nos meus discos: "Samantha's Picture Book", "Travelling in My Mind", "If I Were You" e "They Made Me". Perguntei para um colega do Pio XII que fazia laboratório em um nível abaixo se eles também ouviam músicas, e ele confirmou, citando inclusive um título: "Mr. Monday". Graças a esse nome que não saiu de minha memória, verifiquei que a Longman lançou mais dois LPs na mesma época: "Mr. Monday" e "Goodbye Rainbow". É possível que em um deles esteja a música de que eu mais gostava, "I'm Looking Forward to The Day". Se esses álbuns fossem relançados em CD, eu os compraria. Considerando a raridade, eu não recusaria se alguém me oferecesse cópia em mp3 tirada do vinil. Mas somente se não fossem relançados.
Mas nada me dá mais saudade em relação ao Cultural do que os encontros gratuitos para conversação que eram realizados terça-feira à tarde, chamados de "Getting Together". Eu os frequentei de 1979 a maio de 1981. Ali o nível era outro, pois ninguém comparecia para ganhar créditos ou fazer currículo. Quem estava lá, era porque gostava de falar inglês. De vez em quando apareciam americanos. Foi no "Getting Together" que conheci meu grande amigo Paulo Brody, que além de inglês tinha em comum comigo o gosto por música e quadrinhos. Tenho uma vaga lembrança de ter visto por lá uma vez Marcos Breda, ainda um desconhecido aspirante a professor de inglês – hoje um ator famoso. Minha maior perda quando comecei a trabalhar foi não poder mais participar daqueles encontros. No meu tempo, eles eram coordenados pela professora Marialva Dornelles.
Muitas vezes pensei em me associar ao Cultural, para poder tirar livros na biblioteca. Hoje não me faria mais falta, já que minha própria coleção de livros me abastece. No ano retrasado, voltei lá para tentar localizar um exemplar do informativo "Boletim" de 1976 que trazia uma matéria com os Almôndegas. No mesmo número, aparecia uma entrevista com Marcus Aurélio Wesendonk, locutor e diretor de programação da saudosa rádio Continental. Eu queria enviar a foto ilustrativa para ser usada no livro "Continental, a Rádio Rebelde de Roberto Marinho", de Lucio Haeser. Para minha decepção, eles não tinham mais os informativos. Achei um crime que a própria instituição não se preocupasse em preservar um pedaço de sua história. Pelo visto, não conseguiu preservar nem a si mesma.
Certa vez minha mãe, sem saber que eu estava ouvindo, descreveu o Cultural como "a única alegria" da minha vida. Exageros à parte, é mais um cenário de minha adolescência que desaparece.
1 Comments:
Emilio adorei a matéria. O Paulo ficou muito feliz ao ler o artigo e ao ouvir seu nome citado. Beijão. Jacque Pinzon
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