domingo, junho 09, 2019

André Matos e o rock brasileiro em inglês

Com o falecimento de André Matos, observam-se dois tipos de postagem no Facebook. Um deles, de fãs absolutos do vocalista e do estilo em que ele se enquadrava, no caso, heavy metal. Esses, como não poderia ser diferente, rendem as mais calorosas homenagens ao ídolo. De outro lado, surgem manifestações respeitosas de pessoas que dizem não serem exatamente apreciadoras do gênero de rock em que ele militava, mas reconhecem sua importância. Mais do que isso, entendem o significado de uma perda tão prematura. André tinha 47 anos.

Já estava nos meus planos retomar um tema que abordei algumas vezes: os grupos brasileiros de rock que cantam em inglês. Em seu livro "Nenhum de Nós, a Saga Inteira de Uma Vida", o jornalista Marcelo Ferla afirma ter tocado nesse assunto no começo dos anos 90, em matéria publicada na Zero Hora com o título "The Book is on the Table". Não lembro de ter lido esse texto. Se li, não o guardei em minha memória mas, talvez, no subconsciente. Pois escrevi um comentário com esse mesmíssimo título em 1996, o qual saiu no saudoso International Magazine, jornal de música do Rio de Janeiro. Na verdade eu me recordava de ter visto essa frase colocada de forma irônica antes de uma carta cheia de expressões em inglês publicada na revista Bizz. Mas, consultando o acervo que tenho em CD-ROM, não localizei a missiva em questão. Teria sido na Somtrês? Ou a ferramenta de busca respectiva não vasculha as seções de cartas?

Bem, o que importa é que não tive a intenção de roubar a ideia de Marcelo Ferla. Na época em que escrevi o meu "The Book is on the Table", eu estava em contato com o americano Steve Walden, que preparava uma tese de doutorado sobre rock brasileiro. Fiz uma matéria com ele, enviei-lhe uma série de perguntas e uma delas foi o que ele achava de artistas brasileiros que cantavam em inglês. Ele disse que não gostava, mas apontou duas exceções: "London London", de Caetano Veloso, e o grupo Angra. Angra? Senti-me envergonhado por ter apenas "ouvido falar" na banda, mas prometi a mim mesmo que iria conferir o trabalho dela.

Felizmente, não estipulei um prazo para cumprir a promessa. Porque apenas recentemente, com as facilidades que temos hoje - YouTube, Spotify, amostras do iTunes - é que comecei a escutar os álbuns do grupo brasileiro. E meu amigo americano estava certo. O heavy metal do Angra é diferenciado, criativo, original. E o inglês dos caras é bom. André Matos foi o primeiro vocalista do Angra. Ficou desde a fundação da banda, em 1991, até o ano 2000.

Na verdade eu acho que, se procurasse, se me desse ao trabalho de ouvir mais bandas brasileiras que cantam em inglês, encontraria outras boas. Num percentual ínfimo, talvez, mas encontraria. Quando digo "boas", estou incluindo a pronúncia do idioma, que para mim é um fator essencial. E até acabei descobrindo um ótimo grupo de forma totalmente casual. Há alguns anos, refiz contato com uma colega de Curitiba com quem eu não falava havia cerca de 25 anos. Trabalhamos juntos em Porto Alegre em 1987, 1988 e 1989. Pois nesse tempo em que não nos falamos, ela teve filhos. E um deles hoje faz parte de um grupo de heavy metal chamado Wild Child. Fui ouvir os álbuns deles apenas por curiosidade, sem esperar muito (ou talvez pensando: "mais uma turma achando que é fácil cantar em inglês"), e fui surpreendido por um excelente trabalho, tanto em termos de musicalidade quanto de pronúncia de inglês. Existe um grupo americano com o mesmo nome, então anote o nome dos álbuns da banda curitibana, para não haver confusão: "Inside My Mind", "Seven" e "The Long Walk". Vale a pena conferir.

Mas não mudei de opinião. Continuo achando que o ideal para qualquer grupo brasileiro é cantar em português. Tem muita gente potencialmente boa por aí estragando o próprio trabalho por insistir em compor e interpretar num idioma que não domina. Ou pelo menos não de forma plena. Aliás, existem outros argumentos para preferir a própria língua. Recentemente comprei o livro "Tudo é música", de Ricardo Alexandre, em versão e-book, e um dos textos que ali encontrei se intitula "Da importância de cantar em português". Ele começa citando três singles que recebeu para divulgação e um deles é "One way street", da Wannabe Jalva, de Porto Alegre (que citei rapidamente aqui). E faz uma breve mas sólida argumentação em favor do rock em português. Da relevância de se usar o idioma do público, para haver uma comunicação eficaz.

As exceções que se dão bem no mercado estrangeiro é que criam a ilusão de que é fácil chegar lá e que vale a pena insistir no inglês para virar astro internacional. Mas vocalistas como André Matos não se encontram com facilidade. O que torna sua perda ainda mais lamentável.