Como meu pai agia
Mas ele tinha uma característica que muito nos orgulhava: não se considerava acima da lei. Não dava "carteiraço". Certa vez ele me contou, rindo, de uma multa que levou na Free-Way ao cair na armadilha de "disputar velocidade" com outro carro. Acatou a sanção com humildade e ainda comentou que o motorista do outro automóvel, também multado, tentou argumentar, indignado. Em outra ocasião, eu estava com ele no Aero Willis que ele tinha, andando pela beira-mar, em Atlântida. Um guarda nos parou e avisou a ele que, naquele horário, ainda não era permitido o trânsito de carros pela praia. Ao que ele respondeu: "O senhor tem toda a razão." E saiu.
Por tudo isso, esta história narrada pelo jornalista Antônio Barañano no Facebook, em abril do ano passado, não me surpreendeu nem um pouco:
Numa noite de inverno, Dr. Ivéscio sai quase onze horas do Clube do Comércio, cerração muito forte e ele envereda pela contramão ao sair da Mostardeiro para entrar na Avenida Goethe, ali no Parcão. O policial com um carro da Brigada Militar parado na esquina o intercepta.
"O senhor entrou na contramão", diz, se aproximando. "É mesmo, é a cerração", responde Dr. Ivéscio. "Por gentileza sua identidade, carteira de motorista e documentos do veículo". Naquele tempo, identidade e carteira de motorista não estavam unificadas, ainda. Ivéscio alcança tudo o que ele pede. "Mas o senhor é Juiz!" surpreende-se o policial. Ao que o magistrado responde: "Não importa que eu seja Juiz. Faça o que o senhor tem que fazer".
O policial olha o nome dele na carteira e diz: "Dr Ivéscio, podemos fazer um acordo? No seu tribunal, o senhor decide. Aqui na rua, muitas vezes, preciso decidir eu. Concorda?" "Concordo, é fato". "Então agora decido eu. Aqui estão seus documentos, tenha uma boa noite, siga seu caminho". Diante de tão paradigmático argumento, Dr. Ivéscio não teve outra alternativa senão expressar seu sorriso peculiar, agradecer, dar marcha à ré e obedecer ao guarda...
Este era meu pai. Assim deveriam ser todos os Juízes.
9 Comments:
Teu pai era um grande homem, pelo visto, Emílio! Parabéns!
Obrigado. Ele era muito correto.
Pena que juízes assim estejam em extinção. Parabéns pelo teu pai.
Paulo Fachel - Porto Alegre
Emílio, bem que tu podias fazer uma postagem bem detalhado falando sobre literatura, livros e gêneros preferidos e tal. Já vi posts em que tu falavas sobre o assunto, mais um não seria problema...
Quisera eu que todos os nossos juízes (e outras autoridades, como delegados e oficiais de polícia militar) fossem como dás testemunho do teu pai.
Grande abraço!
Vocês devem ter percebido por que resolvi compartilhar esse testemunho do jornalista (e os meus próprios) sobre essa característica do meu pai. Um fato recente que deixou a todos indignados.
Italo, até posso fazer, mas praticamente só leio não-ficção (biografias, etc). A não ser quando leio histórias em quadrinhos. Aí, sim, é ficção pura. Ou quando leio algum livro publicado por amigo.
Que orgulho, Emílio!!!
Eu, que me tornei pai recentemente, tenho pensado muito no legado que deixarei para minha filha. Até das provocações do futebol tenho fugido. Meu coração vai se despedaçar de dor se um dia ela cometer um ato falho por uma má influência minha. Talvez seu pai seja um homem bom e justo por natureza. Outros, como eu, precisam receber um presente de Deus para mudar de atitude.
Perfeito, ninguém é. Meu pai tinha seus defeitos. Mas esse respeito às normas que descrevi no texto era sua maior virtude.
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