quarta-feira, agosto 07, 2019

Quadrinhos do Judoka em livro

O Judoka foi um herói brasileiro criado pela EBAL em 1969, inspirado no americano Judo Master, da Charlton Comics. Aliás, os seis primeiros números da revista (que se chamava "O Judoka" desde o início - as publicações da EBAL geralmente tinham um nome oficial e outro "de fantasia") continham histórias do judoca estadunidense. Como elas foram descontinuadas, a editora lançou um personagem nacional nos mesmos moldes. Apesar de algumas críticas de leitores mais exigentes (os quadrinhos do Judoka eram bem mais simples se comparados ao padrão Marvel ou DC), o Judoka marcou época e ganhou até um filme em 1972, com Pedrinho Aguinaga no papel principal. O gibi durou até 1973. Sempre achei que as aventuras do herói tupiniquim mereciam relançamento em formato de livro, como é comum acontecer com quadrinhos no exterior. Pois a editora Avec compilou as cinco histórias do Judoka desenhadas e, exceto por uma, também escritas por Fernando Hermeto de Almeida Filho, que assinava "FHAF".
A primeira história produzida por FHAF apareceu em "O Judoka" nº 14, de maio de 1970. O traço sofisticado do desenhista rendeu comparações com Guido Crepax e Jim Steranko. Mas também o enredo chamava a atenção por sua complexidade e referências históricas à Alemanha nazista. Em sua segunda criação para a revista, publicada no nº 17, havia citações a Maurício de Nassau e à Batalha dos Guararapes. Sem dúvida, FHAF apresentava um estilo bem mais arrojado do que o das histórias ingênuas dos demais artistas e escritores da EBAL.
A única história apenas desenhada por FHAF a ser incluída nesta coletânea foi escrita por Pedro Anísio, autor da primeira e de muitas outras aventuras do Judoka. Percebe-se que o escritor tentou pelo menos aproximar-se do padrão de enredo do artista ao incluir dados "absolutamente autênticos" (como diz a nota de rodapé) sobre a cidade baiana de Apuarema. Mas o livro contém uma entrevista com FHAF em que ele admite ter tido dificuldade de trabalhar com uma trama que não havia sido elaborada por ele.
Uma personagem marcante concebida por FHAF foi Irma, vilã pertencente à SETA - Sabotagem, Extorsão e Terrorismo Associados. A influência da saga do Capitão América (que tinha a IMA - Ideias Mecânicas Avançadas, também uma organização criminosa) é reconhecida pela utilização (não autorizada) do agente Nick Fury na história "Irma La Douce". A partir da terceira aventura do livro, surge "a" Judoka, heroína que a EBAL inventara para formar dupla com "o" Judoka. Eu me pergunto o que FHAF achou de ter que incluir essa aliada em suas tramas. A meu ver, a transformação da namorada do Judoka numa parceira na defesa da lei havia sido uma ideia um tanto forçada. E gerava a inusitada situação de haver um homem e uma mulher chamados pela mesma alcunha. Isso normalmente era contornado nos diálogos. Nas falas redigidas por FHAF, eles se referiam um ao outro pelos verdadeiros nomes, Carlos e Lúcia. E as identidades secretas, como ficavam?
Além da já citada entrevista, "Judoka por FHAF" tem textos de apresentação contando a história do herói e do desenhista focalizado. Inclui ainda páginas inéditas (mas com histórias nunca concluídas) do artista. É curioso que apareçam também desenhos do Judoka feitos por outros artistas "em homenagem a FHAF". O personagem não é dele! A organização e edição são de Francisco Ucha. Para quem se interessa por quadrinhos nacionais, vale a pena conferir. Ainda sonho com a republicação de todas as revistas do Judoka em formato de livro, ainda que algumas fossem um tanto simplistas em comparação com as que estão nesta coletânea.

(As imagens que ilustram o texto não foram tiradas do livro, com exceção da capa. Elas foram digitalizadas das próprias revistas pelo colecionador Lenimar Andrade.)