Secos e Molhados em detalhes
Curiosamente, Miguel de Almeida não consultou nenhum dos títulos acima para escrever seu livro. Nem as biografias já publicadas de Ney Matogrosso. É louvável quando um biógrafo vai em busca de informações na fonte em vez de apenas reciclar as existentes. E ele fez o seu dever de casa, entrevistando os três ex-integrantes (até o arredio João Ricardo, que sempre se recusa a colaborar com livros e documentários, cooperou dessa vez) e também os músicos Willy Verdaguer, Tato Fischer e Emilio Carrera, o ex-empresário Moracy do Val e o fotógrafo Antônio Carlos Rodrigues, que fez as capas dos dois LPs, entre outros personagens. Mesmo assim, teria valido a pena dar uma espiada, por exemplo, na tese de Vinicius Rangel, com seus preciosos depoimentos da saudosa Luhli (que Miguel diz ter chegado a entrevistar) e Gérson Conrad. Talvez aí alguns pequenos erros e omissões (que serão comentados adiante) pudessem ter sido evitados.
Mas não há dúvida: "Primavera nos Dentes" é a biografia definitiva da formação clássica dos Secos e Molhados. Aqui temos uma narrativa minuciosa, quase visual, de como os personagens desta história vieram a se conhecer, formar o grupo, passar pelo olho do furacão, enfrentar crises e, por fim, se separar. Pela primeira vez tomamos conhecimento de como Ney de Souza Pereira adotou o sobrenome artístico de Matogrosso, algo que nem as biografias do cantor informam com clareza. Também o motivo pelo qual o baterista Marcelo Frias posou para a capa do primeiro LP mas depois saiu do grupo é contado em detalhes, confirmando algumas informações que já se tinham. Os problemas com a censura, com a polícia, com fãs mais agressivos, está tudo no livro.
A colaboração de João Ricardo com o biógrafo rendeu frutos: o compositor teve sua importância reconhecida na medida exata. O autor dá voz aos três ex-integrantes em igualdade de condições, apresentando inclusive versões contraditórias de certas passagens, deixando que o leitor tire suas conclusões. A lenda de que o Kiss copiou a maquiagem dos Secos e Molhados não pode ser ignorada, ela já faz parte da história do grupo brasileiro. Mas Miguel de Almeida não hesita em descartar a hipótese de que os empresários americanos que procuraram os Secos no México tenham levado a ideia das máscaras para a banda estadunidense, diante do cristalino e irrefutável fato de que, quando houve a viagem dos Secos ao exterior, já fazia três meses que o primeiro LP do Kiss havia sido lançado. Já o testemunho de Zé Rodrix de que Gene Simmons e Paul Stanley teriam comido uma feijoada na casa dele o autor não elimina por completo, mas deixa nas entrelinhas que o músico brasileiro poderia estar equivocado quanto à identidade dos dois rapazes. E é aí que surge o erro inicial: o primeiro show do Kiss com a maquiagem tradicional aconteceu em março, não dezembro de 1973, como diz o livro. A informação correta do mês teria praticamente excluído a hipótese de Rodrix estar certo em sua lembrança.
Outros erros de menor importância: "Flores Astrais" é a segunda, não primeira, faixa do segundo LP dos Secos e Molhados. No último compromisso de João, Ney e Gérson como integrantes do grupo, foram gravados dois clipes para o Fantástico: "Flores Astrais" e "Tercer Mundo". O livro cita apenas o primeiro. Teria sido interessante ler a opinião do autor sobre a maquiagem bem mais discreta usada por Ney no segundo clipe. E por que não informar ao leitor que o verdadeiro sobrenome de Gérson é Conrradi? Miguel de Almeida atribui o nome Conrad até mesmo ao pai do músico.
Se "Primavera nos Dentes" é um trabalho quase perfeito de pesquisa e redação sobre a formação clássica dos Secos e Molhados, fãs do compositor João Ricardo sentirão falta do restante de sua obra. Após lançar dois ótimos discos solo em 1975 e 1976, João trouxe de volta o velho grupo com nova formação em 1978. O livro até cita o sucesso "Que Fim Levaram Todas as Flores?", mas se limita mencionar o CD mais recente do músico, Chato Boy, de 2011, em dupla com Daniel Iasbeck. Seria interessante que alguém se dispusesse a biografar o criador do grupo, que tem uma história bastante rica e multifacetada.
Por fim, "Primavera nos Dentes" inclui 32 páginas com fotos em preto e branco, quase todas do fotógrafo Ary Brandi, que merece um capítulo à parte ao final.
6 Comments:
É. Bela resenha.
Obrigado!
Outro erro foi ele descreber a foto de uma das primeiras reportagem como sendo de Joao Ricardo, Gerson e Zé Rodrix.
Ora... é o Ney de bigode.
Emilio, e por q cargas d agua o visual espalhafatoso foi abandonado p os videos tercer mundos e fls astrais? Sera q seria indicio de uma reformulacao q nao houve, ou simplesmente nao se importaram mais?
Mas o livro é muito bom. Tomara q um dia os videos e apresentacoes para tv reaparecam. Vai q estao trancados a 7 chaves em um cofre na casa do JR
Quanto ao visual, acho que eles já estavam experimentando mudanças. Talvez o Ney adotasse uma maquiagem mais discreta com aquela máscara ocasionalmente por cima.
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