Obstinação pela verdade
Ora! Não se pode culpar a família Lennon pela lembrança confusa. A recordação de um bebê recém-nascido, com cerca de 24 horas de vida, sendo cuidado e amamentado ao som de bombardeios, deve ter sido marcante para todos. Normal que relatem o fato como tendo ocorrido "no dia em que ele nasceu". Mas foi no dia seguinte. E os pesquisadores e estudiosos da história dos Beatles, a partir de agora, terão que registrar essa ressalva em seus trabalhos. Excesso de zelo? Talvez. Mas fiquei feliz de saber que não sou só eu que tem essa preocupação com correção de detalhes.
Quando publiquei minha primeira versão do texto "Secos e Molhados e Kiss: fim de polêmica", alguns fãs de Ney Matogrosso se revoltaram comigo. Um deles, especificamente, questionou: "Que interesse tem um jornalista que faz isso?" Pensei que a resposta fosse óbvia: esclarecer os fatos e trazer à luz a verdade. Sem paixões, sem xenofobia, sem exaltações. O fato de ser brasileiro não me obriga a assinar em baixo de uma afirmação que eu vejo como totalmente equivocada. O Kiss não copiou a maquiagem dos Secos e Molhados, por mais que muitos queiram acreditar nisso.
O sentimento que me motiva a investigar e desvendar mitos é exatamente o mesmo que me leva a divulgar a verdadeira obra de Mario Quintana e denunciar os poemas falsamente atribuídos a ele. Ou a demonstrar que o texto que muitos pensam ser de Victor Hugo ou Frejat foi redigido na verdade pelo gaúcho Sérgio Jockymann. Quando percebi que os 40 anos do LP "Loki?", de Arnaldo Baptista, estavam sendo comemorados em 2014, lembrei que ele tinha aparecido em minhas pesquisas como tendo sido lançado em 1975. Com a ajuda de colegas pesquisadores, confirmei que era mesmo essa a data correta e não a que constava no rótulo do disco. Ao ver a entrevista de Paul McCartney em que ele cita Elvis Presley como exemplo de artista que jamais interrompia um show para beber água, procurei e publiquei uma imagem de DVD em que o Rei do Rock aparecia fazendo exatamente isso. Paul estava errado.
Esse tipo de averiguação sempre atrai comentários irônicos, tipo: "Agora eu posso dormir em paz", "a humanidade está salva", "mudou minha vida", "que informação importante"! Por isso, fiquei satisfeito de saber que tem mais gente por aí obcecada por checar informações, confirmar ou desmentir mitos, questionar lendas. Muitas vezes, tudo começa com uma simples desconfiança. Quantas pessoas, em certos momentos, têm a intuição de que determinado relato não procede, mesmo sem disporem de provas ou indícios disso? Digamos que algumas possuem essa característica em maior grau.
Por fim, gostaria de lembrar uma situação que aconteceu em 1979. Simone gravou "Tô Voltando" em seu LP Pedaços. O sucesso da música coincidiu com a anistia aos exilados políticos brasileiros. Começou-se a espalhar o boato de que a letra era uma referência a esse momento histórico e que o título deveria ser "Samba da Anistia". Imediatamente o crítico Juarez Fonseca farejou a inverdade do que se divulgava. A canção era totalmente apolítica, não havia por que supor que tivesse relação com os anistiados. E ele manifestou sua opinião na página semanal que tinha em Zero Hora. Pois, para sorte dele, Elis Regina veio a Porto Alegre na semana seguinte e lhe deu um testemunho precioso. E aí, no dia 20 de setembro de 1979, saiu esta nota no mesmo jornal:
Juarez estava certo, portanto. E, assim, mais um mito foi derrubado.
É bem verdade que as lendas dificilmente morrem. Até hoje apontam-se duas passagens históricas diferentes para indicar que o termo "forró" supostamente viria do inglês "for all". Os historiadores já comprovaram que a palavra existia antes das duas "origens" alegadas (ver na Wikipedia), mas a crença persiste. O povo gosta de conhecer e repassar histórias curiosas. Estou certo de que a lenda do Kiss imitando os Secos e Molhados atravessará gerações. E outras também perdurarão. Mas, para quem quiser saber a real versão dos fatos, ela ela estará disponível, graças à obstinação dos pesquisadores.
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home