quarta-feira, junho 24, 2015

America renovado e eletrificado

Minha expectativa para o show do America, ontem, no Auditório Araújo Vianna, era de assistir a algo previsível, mas de qualidade. O famoso "mais do mesmo" que não decepciona. Afinal, eu já tinha visto o grupo em 1997 e o repertório não mudou muito. A fórmula é o tradicional desfile de sucessos com uma ou duas músicas de trabalhos recentes. Mas houve uma diferença: a banda de apoio. O sangue novo veio pelas mãos do guitarrista Bill Worrell, de 30 anos (mal comparando, o America lançou seu primeiro LP há 44 anos) e do baterista Ryland Steen, prestes a completar 35, com seu visual de roqueiro nerd dos anos 80. Ambos ingressaram no time no ano passado. Richard Campbell, 56 anos, no baixo de cinco cordas, juntou-se à turma em 2003. O resultado é que o America, um grupo essencialmente acústico em sua origem, apresentou um som eletrificado, renovado e com muita vitalidade.
Desde a saída de Dan Peek em 1977, o America é uma dupla formada por Dewey Bunnell, hoje com 63 anos, e Gerry Beckley, que completará a mesma idade em setembro. A voz aguda e levemente anasalada de Beckley mostra sinais de fadiga em alguns momentos, mas o timbre mais grave de Bunnell parece estar em forma. Já virou praxe os grupos estrangeiros antecederem a entrada no palco com um vídeo retrospectivo, incluindo imagens de capas de disco. Concluída a introdução, pontualmente às 9 da noite os músicos já estão todos no palco para abrir com "Tin Man". Depois, um raro sucesso de fora da década de 70, "You Can Do Magic", de 1982. "Don't Cross the River", uma das composições do ex-membro Dan Peek preservadas nos shows (o America raramente compõe em parceria - é de fato um "consórcio de solistas", como já referi várias vezes).  A linda balada "Daisy Jane", de Beckley, que ele sempre encerra com um "thank you, Daisy"!
A seguir eles anunciaram que cantariam três faixas do álbum de estreia, de 1971. A primeira foi "Riverside". Depois a romântica "I Need You", que teve o seu clima prejudicado por algumas pessoas chegando atrasadas ao show. (Aliás, vários lugares das primeiras filas estavam vagos, especialmente os mais distantes do centro do palco. O alto preço não deve ter sido convidativo para ver o espetáculo de um ângulo não muito privilegiado). A terceira foi "Here", que em sua parte mais vibrante permitiu ao baixista Richard Campbell e ao guitarrista Bill Worrell ganharem destaque solando em seus instrumentos.
Beckley falou que eles iriam tocar uma composição do último CD, Lost and Found, (uma coletânea de sobras inéditas de estúdio) e apresentaram "Driving". Logo após informou que fariam outra de um trabalho recente, My Back Pages, onde gravaram músicas "que gostaríamos de ter composto". Entenda-se: um álbum de covers. E interpretaram "Woodstock", de Joni Mitchel. Em seguida vieram "Cornwall Blank" e "Hollywood" emendadas, em forma de medley. E mais outra do projeto de covers, "Til I Hear it From You", original de Gin Blossoms.
"The Border" teve sua roupagem pop levemente trazida para o lado do rock, com o desempenho enérgico dos músicos. "Green Monkey", com suas guitarras pesadas, manteve-se fiel à gravação original do álbum Hat Trick. Finda a execução, Dewey comentou que Bill Worrell reproduziu "nota por nota" o solo de guitarra gravado em 1973 por Joe Walsh, acrescentando que o atual integrante da banda de apoio não era nem nascido naquele ano. Em "Woman Tonight", uma curiosidade: Worrell vai para os teclados e faz vocal solo na segunda parte ("I get the shivers", etc). Seguem-se "Only in Your Heart", "California Dreamin'" (cover de The Mamas and The Papas) e o maior sucesso de autoria do ex-integrante (e hoje já falecido) Dan Peek, em parceria com sua esposa: "Lonely People". Em 1997 ela era cantada pelo baixista Bradley Palmer, mas com a saída dele, é Dewey Bunnell, mesmo, quem assume o vocal.

A grande surpresa veio em "Sandman": em vez do acompanhamento acústico usual, ouviu-se um arranjo pesado e elétrico, como uma afirmação da nova postura do America em seus shows. A última antes do bis programado foi a sacudida "Sister Golden Hair", que fez vários levantarem de suas cadeiras na segunda parte, mas não chegou a colocar todos a dançar como no Teatro da Ospa em 1997. A banda retorna para encerrar com "Dream Come True" e aquele que é considerado o primeiro sucesso do grupo: "A Horse With No Name". A plateia de todas as idades, incluindo vários na faixa dos 40 e 50, sai satisfeita. Mesmo atendo-se à fórmula segura do repertório conhecido, o America conseguiu surpreender.