Ainda os abusos
Mas já aconteceu, há muitos anos, de eu entrar em um grupo de discussão sobre inglês do Yahoo. Meu objetivo era fazer amizades, então escolhi uma área que fosse do meu conhecimento. Eu poderia ter optado por algo relacionado a música, mas nesses fóruns a predominância é de adolescentes e jovens escrevendo em internetês. Não era bem isso que eu procurava. A turma do inglês era legal. Tinha gente de todas as idades e as mensagens eram algumas em português, outras em inglês. Até que um dia um sujeitinho enviou um texto enorme em inglês, algo assim de umas dez páginas do Word, dizendo que era uma tradução que ele havia feito e queria que alguém revisasse. Depois de insistir por cerca de uma semana, ele postou uma mensagem realmente agressiva, incluindo um palavrão, indignado pela "má vontade" do grupo por não ajudá-lo. Aí eu não resisti e respondi que a tradução dele estava tão ruim (o que era verdade) que era mais fácil refazer todo o trabalho do que tentar aproveitar alguma coisa do "estrago" que ele havia feito.
Muitos leigos se iludem com "revisão". Acham que estarão ganhando tempo e poupando dinheiro se tentarem eles mesmos iniciar a tradução - ou pior: usar um tradutor automático - e depois mandar para um tradutor "só revisar". Que o trabalho ao final será mínimo. Revisão só dá certo entre profissionais com níveis aproximados de conhecimento. Mas muitos não entendem isso. Acham que, se entregarem um trabalho mais ou menos começado, terão diminuído a tarefa do tradutor. Em muitos casos, se original não estiver junto, o profissional tem mesmo que adivinhar o que o amador tentou dizer em alguns trechos.
Mas a história mais incrível que conheço sobre abusos nos pedidos de consultoria sobre idiomas foi contada por Carol Alfaro, do blog A Arte da Tradução. Este depoimento, no caso, ela compartilhou na comunidade de tradutores do Orkut. A partir de seu trabalho como revisora para um laboratório de informática, ela decidiu criar uma página na Internet tirando dúvidas mais frequentes de português. Como o site tinha um link para contato, ela começou a receber consultas. A princípio, procurou atender a todas, embora algumas estivessem respondidas na própria página, que o consulente com certeza não leu até o fim. "Então fui descoberta por alunos de colégio. Comecei a receber mensagens do tipo: Por favor, me diga urgente quais são as funções dos pronomes relativos em orações adversativas (ou qualquer coisa que o valha, estou inventando)." Quando a situação fugiu de controle, com demandas "excessivas, rudes e repetitivas", ela tirou a página do ar e acabou com a consultoria gratuita on-line.
Tudo isto remete a um texto mais antigo do meu blog: "Sem noção". É o mesmo tema abordado sob outro ângulo. Tem gente que "se faz de bobo pra passar bem", mas muitos são bobos legítimos, mesmo, que não percebem que estão abusando. E a diferença se nota pela reação.
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