segunda-feira, junho 18, 2007

Profissões malditas

Houve uma época, no início dos anos 90, em que Hollywood começou a investir num novo gênero de filme: o das profissões detestadas. Por exemplo: você não gosta de advogado? Acha que é uma classe inescrupulosa, ardilosa, sempre querendo levar vantagem? Então "Uma Segunda Chance" ("Regarding Henry"), de 1991, é recomendado para você. Harrison Ford faz o papel de um advogado frio, sisudo e sem coração, bem o tipo que você adora odiar. Até que leva um tiro e perde a memória. À medida que vai voltando a si, torna-se outra pessoa. É como se a bala tivesse atingido justamente a parte do seu cérebro que inibe os sentimentos nobres. A mudança é tão radical que o personagem de Ford, ao final, humildemente pede desculpas a uma senhora a quem prejudicou com seu trabalho.

Ou você tem implicância com médicos? Julga-os mercenários, insensíveis e sem tato para lidar com os pacientes? Então terá orgasmos múltiplos com "Golpe do Destino" (The Doctor), também de 1991. William Hurt vive um cirurgião debochado, que trata seus pacientes com descaso e ironia. Mas o castigo o aguarda: ele descobre que está com câncer na garganta. Pronto: para deleite da platéia cheia de gana, o feitiço vira contra o feiticeiro. Ele conhece o que é ser paciente e enfrentar os mesmos problemas das pessoas que atendia. O final é quase tão forçado e patético quanto o de "Uma Segunda Chance": os enfermeiros e demais médicos são obrigados a passar por uma temporada como pacientes, para sentir na pele o que os enfermos têm que enfrentar.

Não sei se essa tentativa de gênero vingou. Nunca mais vi nenhum outro filme com o mesmo tema. Mas, se fosse no Brasil, outras profissões seriam visadas. Por exemplo: tem gente que vive falando mal de professor. Eu, particularmente, tenho uma admiração imensa por essa classe heróica e perseverante. Ganham mal, mas amam o que fazem. Ajudam a construir o futuro da nação com seus ensinamentos. E ainda há quem, num misto de cegueira e ingratidão, não perceba isso. Se Hollywood fosse aqui, já teriam produzido algum filme onde o professor seria punido por sua severidade ou despreparo.

Os políticos são um caso à parte. Viraram bode expiatório para todos os problemas do país. Tudo é culpa dos políticos. No tempo das eleições indiretas, as queixas até seriam pertinentes. Mas hoje eles são todos escolhidos por nós. São nossos representantes. Nós, eleitores, podemos colocá-los e tirá-los a cada nova votação. Portanto, acho questionável condenar "os políticos", de forma genérica. Eles, como qualquer outro profissional, têm que trabalhar bem. Mas se o país vai mal, acho que todos têm sua parcela de culpa. Inclusive os eleitores.

Por fim, chegamos aos funcionários públicos. Houve quem achasse que eu era um deles quando publiquei o comentário "
Ganhar bem é pecado". Já vi gente sair de lista de discussão por sentir-se atingido por críticas ao funcionalismo. Falar mal de funcionário público é o passatempo preferido de muitos desocupados. E, no entanto, nesta semana a Veja publicou uma matéria de capa dizendo que o Brasil voltou a ser o país dos concursos públicos. Na minha opinião, nunca deixou de ser. O que aconteceu em determinada época foi uma ilusão com as chamadas "profissões do futuro" do momento. Passada a euforia inicial, as expectativas não se confirmaram. Vira e mexe, chegou-se à conclusão de que, num mercado de trabalho como o do Brasil, o emprego público ainda é uma ótima opção.

E assim existem outras profissões malditas e discriminadas. Mas um dia podemos precisar delas e até precisamos. As únicas atividades que eu abomino são as ilegais. De resto, não vejo por que essa perseguição, esse ranço, esse desprezo por profissões perfeitamente legítimas. Meu pai um dia disse que os homens só se distinguem pela honestidade. Seguindo a linha de raciocínio dele, diria que não existe uma profissão mais nobre do que outra. Todo o trabalho honesto deve ser respeitado, seja de um advogado, médico, professor, político ou funcionário público. Devem-se atacar os casos ilícitos, mas não as profissões a priori.