segunda-feira, novembro 20, 2006

Não-ficção escrita por prazer

É curioso que dois escritores brasileiros, quase ao mesmo tempo, tenham decidido abordar tragédias históricas acontecidas no estrangeiro. Por que Sérgio Faraco, com sua extensa obra de contos e romances, quis pesquisar justamente o repisado naufrágio do Titanic? E o que levou Ivan Sant'anna, autor do elogiado "Caixa Preta", sobre três incidentes aéreos no Brasil, a escrever sobre os atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos? E, acima de tudo, o que esses dois autores nacionais têm a acrescentar sobre eventos que já foram exaustivamente esmiuçados por pesquisadores mais próximos das fontes? O que se conclui é que os livros foram escritos para satisfação pessoal. Não importa que os temas sejam batidos e o mercado esteja saturado de literatura a respeito: Faraco e Sant'anna se permitiram mergulhar em assuntos que os fascinavam, por puro prazer.

A assinatura de Sérgio Faraco levaria a supor que "O Crepúsculo da Arrogância" seria a história do Titanic contada em forma de romance. Errado. Pelo contrário, o escritor gaúcho apresenta uma cronologia bem objetiva, com horário e uma breve descrição dos principais acontecimentos. Não é o primeiro trabalho de pesquisa histórica de Faraco. Sua incursão mais polêmica nesse território foi "Tiradentes, a Alguma Verdade (Ainda Que Tardia)", cujo teor está hoje inserido em "Histórias Dentro da História". Mas o que surpreende em "O Crepúsculo da Arrogância", além do tema escolhido, é o formato simples e itemizado da narrativa. O resultado é um volume enxuto e rico em informações. O autor conseguiu condensar em pouco mais de duzentas páginas todos os dados disponíveis sobre o naufrágio, chegando a incluir uma lista dos sobreviventes por bote.

Já Ivan Sant'anna admite na introdução de "Plano de Ataque" que sua idéia para o livro foi recebida com mensagens desencorajadoras. Mas ele se confessa um entusiasta na pesquisa sobre desastres famosos, "talvez por um sadismo atávico". Seus leitores lhe pediam que voltasse a escrever sobre incidentes aéreos, mas ele não encontrava nenhum tão eletrizante quanto os que já havia narrado em "Caixa Preta". Até que aconteceu o 11 de setembro. A exemplo de Faraco, Sant'anna valeu-se de documentos e fontes preexistentes, embora tenha também feito diversas entrevistas nos Estados Unidos. "Plano de Ataque" vem a ser uma obra bastante esclarecedora não só sobre os atentados mas também sobre o planejamento que se estendeu durante anos até culminar em Washington e Nova York.

Dificilmente Sérgio Faraco e Ivan Sant'anna terão revelado algum fato ou aspecto inédito em seus livros. Mas conseguiram reunir num só lugar um conjunto de informações bem selecionadas, sem divagar ou emitir juízo de valor. Para quem nunca leu nada sobre os respectivos assuntos, são obras recomendadas, por sua abrangência e síntese.
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Em tempo: estou contando os dias para o lançamento de "Roberto Carlos em Detalhes", de Paulo César Araújo, em 30/11. Com 450 páginas, do mesmo autor do excelente "Eu Não Sou Cachorro Não", o livro promete.