Videocassete bem utilizado
Um aspecto do "vídeo da profecia" que está deixando a todos surpresos é o fato de ser uma gravação que foi ao ar há 20 anos. Todos me perguntam como "consegui" aquilo. Ora, gravando na época, como já disse várias vezes. E aí vem à tona uma questão que venho debatendo desde que comprei meu primeiro videocassete, em 1985: o uso limitado que sempre se fez do aparelho. Não só a questão do mercado de vídeo pré-gravado, como já comentei aqui, mas também a subutilização do videocassete para sua finalidade primeira, que é a de fazer gravações da TV.
Quando chegou o momento de fazer minha monografia para a Faculdade de Jornalismo, em 1992, escolhi como tema o videocassete. Minha hipótese era a de que o aparelho foi criado para libertar o telespectador dos horários da programação mas, na prática, tal mudança não aconteceu. Em vez disso, o usuário entendeu que o videocassete era um "toca-fitas" para reprodução de fitas alugadas. E passou a enxergá-lo como um substituto do cinema. Preparei um questionário e é uma pena que não tenha tido chance de entrevistar mais pessoas, para ter uma amostra mais significativa. Uma das perguntas, por exemplo, era se o entrevistado teria comprado o aparelho se não existissem as locadoras. Uma minoria respondeu que sim, mas a maior parte disse, indignada: "Claro que não, o que eu iria fazer com ele?" Outra pergunta era se a pessoa assistia ao Jô Soares Onze e Meia, que estava em alta, na época. Àqueles que responderam "não", seguia-se a pergunta "por quê'? A maioria respondeu: "Por causa do horário." E só foram entrevistados compradores de videocassete. Ou seja, não houve libertação nenhuma do horário da programação.
Além de realizar a pesquisa, procurei entrevistar também profissionais que pudessem contribuir com informações. Um deles foi o jornalista Nei Gastal, que no começo dos anos 80 surpreendeu os leitores do Correio do Povo com uma coluna regular sobre videocassete numa época em que a simples menção do assunto poderia ter conotações de esnobismo. Perguntei o que ele achava do uso que normalmente se fazia do aparelho e ele respondeu que era muito limitado, que havia pouca gente fazendo gravações para arquivamento. Essa parte da resposta foi citada na monografia. Aí comentei com ele, "em off", que muitos dos que haviam respondido ao meu questionário diziam, sim, fazer gravações da TV para guardar. Pelo menos, um número maior do que eu esperava. Aí ele replicou:
- Experimenta perguntar por quanto tempo guardam. Geralmente usam a fita depois para gravar outra coisa.
Já era tarde para acrescentar a pergunta. A pesquisa estava em andamento. Mas percebi o quanto ele tinha razão no dia em que fiquei sabendo de um marido que, sem querer, usou a fita do nascimento do filho para gravar um jogo de futebol. Quando a esposa soube, chorou por dois dias seguidos. Esse cuidado pelo menos eu sempre tive: depois que termino de gravar uma fita que pretendo guardar, removo a aba de segurança para inibir novas gravações. Pena que eu não tenha me preocupado ir fazendo anotações, pelo menos não no começo. Tenho dezenas de fitas VHS gravadas em velocidade EP, com seis horas de material cada uma, mas muitas delas estão sem qualquer referência do conteúdo.
Vai daí que agora, 21 anos depois de ter comprado o meu primeiro videocassete, o uso diferenciado que sempre procurei fazer do aparelho resulta em destaque para um item de meu acervo. Com a Internet e o YouTube, meu arquivo de vídeo poderá ser disponibilizado para um público maior. Esse mesmo público que hoje me pergunta como "consegui" uma gravação de 20 anos atrás. Ora, eu mesmo gravei e guardei. Essa é uma forma de utilização do videocassete que todos poderiam ter adotado desde o início. Infelizmente, estavam ocupados demais assistindo a cópias piratas de péssima qualidade alugadas na locadora mais próxima.
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