segunda-feira, setembro 25, 2006

Inteiramente grátis

Às vezes, algumas opções "inteiramente grátis" da era da informática, sejam pacotes de software ou serviços da Internet, me lembram de um professor de cursinho. Quem teve aula com o cearense Edmílson, de Matemática? O mestre infelizmente faleceu em 1980. Seu estilo de dar aula dividia opiniões. Ele era ótimo, mas não era de brincar muito, não. Era preciso pique para acompanhá-lo. Ele mesmo dizia: "Não copia! Se copiá, voa!" E estava certíssimo.

Na verdade ele acabava sendo engraçado sem querer, com seu jeito espontâneo. Assim como vocês, de outros estados, devem achar graça do sotaque gaúcho, para nós, o jeito de falar do Edmílson era muito divertido. Ele tinha umas frases típicas. Apaixonado pela matéria, de vez em quando comentava: "Trigonometria é uma beleza, um colosso!" Ou geometria analítica, ou o que estivesse ensinando no momento - tudo era uma beleza, um colosso! No fim os próprios alunos já antecipavam. Se ele dissesse: "Não é gostoso?", vários respondiam quase ao mesmo tempo: "Um colosso!" E ele completava: "Melhor do que isso, só beijo de viúva!" Usava uma vara maior que ele para apontar itens no quadro e dizia "Óia a vareta!"

Em 1978, o Edmílson lançou um livro. Se não me engano se chamava "1.000 Exercícios de Matemática". Todos com as respostas, claro. Eu não cheguei a comprar, mas sem dúvida era um ótimo reforço para quem precisasse se sair bem na prova. Um dia ele mostrou o livro para todos na aula e disse: "Não é obrigado a comprar". Algumas aulas depois, para provar que realmente não havia tal obrigatoriedade, ele ditou pacientemente uma questão do livro. Lembro que era para calcular a diagonal de um paralelepípedo. Mas o enunciado era bastante complexo. Era importante que os exercícios mostrassem aos alunos que raramente o vestibular trazia tudo mastigadinho. Pelo contrário: as provas de concursos em geral obrigam o candidato a raciocinar além das fórmulas decoradas.

Então a questão foi ditada mais ou menos assim: "Um helicóptero decolou subindo tantos metros na vertical... Quem não tivé o livro vai tê que copiá que é coisa séria... Depois moveu-se tantos metros para a direita... Quem não tivé o livro vai tê que copiá um bocado....A partir daí moveu-se para a frente... Quem não tivé o livro vai tê que copiá..." No fim a questão perguntava o deslocamento do helicóptero. Casualmente o Edmílson escolheu uma das questões mais longas para ditar. Sempre lembrando que o ônus da cópia seria apenas para os que não haviam comprado o livro.

Assim encontramos diversos itens "gratuitos" na Internet. Você se inscreve num site de namoro virtual "inteiramente grátis". Depois que está cadastrado, fica recebendo avisos insistentes de que se você "se tornar ouro" (isto é: se pagar) poderá mandar mensagens em número ilimitado, poderá fazer isso, fazer aquilo e aquilo outro. O link está lá, tentador. Você clica nele e recebe a mensagem: "Torne-se ouro e desfrute de todas as vantagens deste site." Ou seja, se quiser, você não paga nada. Mas não faz quase nada.

Assim também, provedores de armazenamento como o Rapidshare e outros permitem uso gratuito. Cada vez que você entra na página aparecem os anúncios: "Contrate o serviço especial e não precisará mais esperar a contagem regressiva para baixar arquivos." "Contrate o serviço especial e tenha direito a mais espaço no nosso site." Ou então você baixa um software "inteiramente grátis", mas para usar os "recursos especiais", basta pagar uma módica taxa.

Aí lembro do Edmílson e percebo que essa tática de "não é obrigado a comprar" já existia muito antes da Internet. A gente compra se quiser. Mas quem não comprá vai tê que copiá um bocado...