Inteiramente grátis
Na verdade ele acabava sendo engraçado sem querer, com seu jeito espontâneo. Assim como vocês, de outros estados, devem achar graça do sotaque gaúcho, para nós, o jeito de falar do Edmílson era muito divertido. Ele tinha umas frases típicas. Apaixonado pela matéria, de vez em quando comentava: "Trigonometria é uma beleza, um colosso!" Ou geometria analítica, ou o que estivesse ensinando no momento - tudo era uma beleza, um colosso! No fim os próprios alunos já antecipavam. Se ele dissesse: "Não é gostoso?", vários respondiam quase ao mesmo tempo: "Um colosso!" E ele completava: "Melhor do que isso, só beijo de viúva!" Usava uma vara maior que ele para apontar itens no quadro e dizia "Óia a vareta!"
Em 1978, o Edmílson lançou um livro. Se não me engano se chamava "1.000 Exercícios de Matemática". Todos com as respostas, claro. Eu não cheguei a comprar, mas sem dúvida era um ótimo reforço para quem precisasse se sair bem na prova. Um dia ele mostrou o livro para todos na aula e disse: "Não é obrigado a comprar". Algumas aulas depois, para provar que realmente não havia tal obrigatoriedade, ele ditou pacientemente uma questão do livro. Lembro que era para calcular a diagonal de um paralelepípedo. Mas o enunciado era bastante complexo. Era importante que os exercícios mostrassem aos alunos que raramente o vestibular trazia tudo mastigadinho. Pelo contrário: as provas de concursos em geral obrigam o candidato a raciocinar além das fórmulas decoradas.
Então a questão foi ditada mais ou menos assim: "Um helicóptero decolou subindo tantos metros na vertical... Quem não tivé o livro vai tê que copiá que é coisa séria... Depois moveu-se tantos metros para a direita... Quem não tivé o livro vai tê que copiá um bocado....A partir daí moveu-se para a frente... Quem não tivé o livro vai tê que copiá..." No fim a questão perguntava o deslocamento do helicóptero. Casualmente o Edmílson escolheu uma das questões mais longas para ditar. Sempre lembrando que o ônus da cópia seria apenas para os que não haviam comprado o livro.
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Aí lembro do Edmílson e percebo que essa tática de "não é obrigado a comprar" já existia muito antes da Internet. A gente compra se quiser. Mas quem não comprá vai tê que copiá um bocado...
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