O diferencial do preço alto
O fato em si de existir uma loja para um público diferenciado em um país como o Brasil não me incomoda nem um pouco. Eu próprio, como ávido consumidor de CDs e DVDs, às vezes fico indignado quando vejo alguém consultando o preço de um CD na Saraiva, sem saber que é importado, e gritando: "SESSENTA REAIS? Não, não pode ser, esse preço está errado..." Se o empresário consegue bancar uma loja para clientes de alto poder aquisitivo, onde se encontrem produtos de qualidade, ninguém tem nada com isso.
No entanto, uma pergunta que eu me faço e acho que vocês também, é: os produtos caríssimos vendidos pela Daslu valem o preço? Quem comprar, por exemplo, uma bolsa tiracolo de nylon por R$ 3.140,00 terá vantagens na mesma proporção da diferença de preço de um modelo vendido na Voluntários, aqui em Porto Alegre? Os óculos escuros da Chanel, que a Daslu vende por 1.600 a 1.800 reais, estão com uma margem de lucro padrão em relação ao custo? Quem usá-los verá o mundo de uma forma inteiramente nova, que fará valer o investimento?
Não posso provar nada, mas há fortes indícios de que, além de produtos realmente caros, muitos dos itens da Daslu seguem uma lógica espertíssima de marketing. Por falta de uma expressão melhor, chamá-la-ei de "o diferencial do preço alto". Simplificando, seria a idéia de que o preço alto, por si só, consegue tornar um produto cobiçado e valorizado. A melhor qualidade pode existir ou não, mas o preço já começa nivelando por cima. Não é "qualquer um" que vai aparecer com aquela bolsa ou aqueles óculos. Você paga o valor não da mercadoria, mas do ingresso no fechado clube dos que "estão podendo".
Na literatura, o "diferencial do preço alto" vem sendo bem explorado desde 1974 pela inglesa Genesis Publications. Os luxuosos volumes da Genesis, quase todos autografados e em edição limitada, podem custar 500 libras ou mais! Alguns títulos saem em duas edições: uma "deluxe", outra mais barata, por "apenas" 300 libras. O saudoso ex-Beatle George Harrison, a despeito de seu anunciado desapego por bens materiais (especialmente marcante no LP "Living in the Material World", de 1973), foi um dos primeiros músicos a lançar itens especiais pela Genesis. Em 1980 ele publicou uma autobiografia "I, Me, Mine", em edição autografada com capa de couro, custando 148 libras. Quando o mesmo livro saiu por outra editora a preço convencional, ele comentou numa entrevista que não via sentido para isso, pois "não é o conteúdo que importa". E se alguém tinha alguma dúvida do que ele quis dizer, também pela Genesis ele lançou "Songs by George Harrison", um compacto duplo de vinil com músicas inéditas acompanhado de um livreto de ilustrações do desenhista Keith West. O preço era 235 libras. Na mesma entrevista ele comentou: "é caro, mas num mundo com tanto lixo, isso é para ser algo especial". Ou seja, um produto não é caro porque é especial, é especial porque é caro.
Hoje dei uma entrada na Kopenhagen, aqui em Porto Alegre, e me vi na Daslu do chocolate. Não que eles sejam ruins, pelo contrário: adoro os bombons da Kopenhagen. Mas, sinceramente, ainda prefiro as barras da Nestlé que encontro bem baratinhas em qualquer supermercado. A única vantagem dos produtos Kopenhagen é, claro, o diferencial do preço alto. Imagine sua namorada falando para uma amiga: "Ganhei uma caixa de bombons. Mas não qualquer caixa de bombons. Da Kopenhagen! Você já viu quanto custa? Eu estou podendo!"
Este é o marketing perfeito: fazer com que o seu produto seja valorizado porque o preço é alto. Não sou mesquinho e até me irrita ver gente reclamando do preço alto dos livros (não os da Genesis, claro), por exemplo, por não valorizar a literatura ou talvez não querer assumir que tem preguiça de ler. Mas para tudo existe um limite. Mesmo que eu fosse milionário, não me imagino querendo entrar para o clube dos que "estão podendo". Pelo menos não a esse preço. Ou, pensando bem, talvez até comprasse alguns livros da Genesis, mas os guardaria num cofre e usaria luvas para folheá-los. A propósito, o mais recente lançamento da editora é a biografia do Pink Floyd, "Inside Out", de autoria do baterista Nick Mason, o único integrante a participar de todas as formações. Custa apenas 595 libras (não, não digitei mal: quinhentos e noventa e cinco libras). Não percam essa barbada!
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