O Verissimo da Internet
Em algumas crônicas até se entende a falsa atribuição. "Tipo Assim", de Kledir Ramil, é de todas a que mais se aproxima do estilo do mestre. O que não é surpresa, pois Kledir consignou sua admiração por Verissimo ao compor e gravar "O Analista de Bagé" com o mano Kleiton em 1982. É uma influência clara e assumida. Já "Diga Não às Drogas", cujo verdadeiro autor desconheço, é uma imitação barata do humor de Verissimo. Quem conhece bem o seu modo de escrever sabe que ele jamais emite juízo de valor exceto na política e no futebol. Em outros assuntos, evita polemizar desnecessariamente, até para não decepcionar fãs. Esse texto critica a música sertaneja de uma forma que Verissimo nunca faria. Por fim, "Um dia de Merda", com seu deboche escrachado e farto uso de palavrões, também não poderia ser autêntico. Mas pelo menos é um texto de humor.
Nos três exemplos citados, até percebem-se influências de fortes a moderadas do verdadeiro Luis Fernando Verissimo. Até aí, nada tão surpreendente. Ocorre que, de uma hora para outra, começaram a colocar na conta dele textos que nada têm a ver com sua escrita. Sabem aquelas mensagens de otimismo que antigamente circulavam em forma de cartão ou apresentação em Power Point e quase sempre terminavam com "Autor Desconhecido"? Pois agora o autor ganhou nome: Luis Fernando Verissimo! Alguém encasquetou que o nome e a imagem de Verissimo combinavam com aquele romantismo messiânico e piegas e ele passou a ser creditado como autor de quase todas essas crônicas ou poemas. Muitos jovens tomaram conhecimento do nome dele através dessas atribuições indevidas e passaram a admirá-lo. Com isso, o falso Verissimo ganhou uma obra, criou um estilo e conquistou fãs! Isso é grave, gente!
Na comunidade de Verissimo no Orkut, justiça se faça ao moderador Elson, que conhece bem o seu ídolo e passa a maior parte do tempo excluindo mensagens indevidas. Nas enquetes de "melhores textos" do escritor, os mais citados são sempre os falsos. O campeão é o "Quase", cuja verdadeira autoria já foi reivindicada por uma estudante de Medicina. Seria temerário afirmar que o Verissimo virtual tem mais fãs do que o verdadeiro, mas que os mal-informados são mais atuantes na Internet, disso não há dúvida. Na comunidade do Gazzag e sites independentes, abundam citações e transcrições totalmente equivocadas:
"O certo mesmo é que temos que viver cada momento, amando, chorando, sorrindo, emocionando..."
"Acredito que o status de cafona surgiu porque a grande maioria das pessoas nunca teve a oportunidade de viver um grande amor."
"Às vezes as pessoas que amamos nos magoam, e nada podemos fazer senão continuar nossa jornada com nosso coração machucado."
"Fazer amor é lindo, é sublime, é encantador, é esplêndido."
"Certo dia parei para observar as mulheres e só pude concluir uma coisa: elas não são humanas. São espiãs. Espiãs de Deus, disfarçadas entre nós."
"Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu."
Cada uma dessas citações foi colhida de um texto diferente, todos atribuídos a Luis Fernando Verissimo. Tá, eu sei, são frases bonitas. Mas quem realmente conhece o estilo dele lê isso aí e não sabe se ri ou chora. Porque, como foi dito no começo, a situação fugiu de controle. O falso Verissimo ganhou identidade própria. As pessoas se dizem fãs dele com base nos textos errados. Podem ver que há um estilo comum entre eles, um tom romântico, poético e otimista. A geração Internet pensa que esse é o verdadeiro Luis Fernando Verissimo. E com base nessa admiração virtual por um escritor que não existe, se inscreve em comunidades, cria sites, cita textos e propõe discussões. De vez em quando aparece alguém para dizer "esse texto não é dele", sem saber que os demais do site também não são.
O mais assustador é que tudo isso está ocorrendo enquanto o prejudicado ainda está vivo para se apresentar e desmentir as falsas escrituras. Imaginem o que não acontecerá depois, quando ele não estiver mais entre nós. Sua história será inteiramente reescrita. Alguns, heroicamente, tentarão preservar sua memória:
- A frase "que seja infinito enquanto dure" não é do Verissimo! É do Mário Quintana!
- Quintana? Mas não é o estilo dele! Não foi o Quintana quem escreveu aquele poema da pedra no meio do caminho?
- Não, o outro famoso do Quintana é aquele que diz "ah, mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não uma solução".
- Então quais os textos mais conhecidos do Luís Fernando Verissimo?
- Ah, tem o "Quase", "Dar Não é Fazer Amor", "A Felicidade Pode Demorar"... Geralmente ele escrevia crônicas sensíveis e românticas, mas às vezes fazia humor também, como em "Um Dia de Merda".
- Legal, onde posso achar esses textos?
- Estão todos na coletânea "Textos Preferidos de Luis Fernando Verissimo", que acaba de ser lançada.
Brincadeiras à parte, encontrei dois sites confiáveis sobre Verissimo na Internet:
http://portalliteral.terra.com.br/verissimo/index.htm
http://www.consciencia.net/opiniao/verissimo.html
De resto, a regra geral é: se chegou por e-mail, não é dele!
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home