terça-feira, fevereiro 22, 2005

Encomendas de viagem

Uma lição que aprendi de minhas viagens ao exterior é que não se devem aceitar encomendas. Por mais antipática que possa ser essa postura. Eu sei como se sentem os amigos de quem vai viajar. Puxa, o Fulano vai para os Estados Unidos, o que custa pra ele trazer pra mim um CD/ um livro/um DVD/uma máquina fotográfica digital/um notebook/qualquer coisa! Eu dou o dinheiro! E, por minha experiência, eu sei que sempre alguém quer alguma coisa. Então o ideal é não abrir exceções e não trazer nada para ninguém.

Confesso que já estive do outro lado, ou seja, dos que encomendam. Mais de uma vez. E somente em uma delas o meu amigo trouxe exatamente o que eu pedi. Em todas as outras, ouvi explicações. Não achei nenhum livro com esse nome. Na loja onde fui ninguém conhece esse CD. Esse CD-ROM que você pediu é da Inglaterra, como você se sentiria se alguém encomendasse alguma coisa de Portugal para procurar no Brasil? (Depois fui confirmar e o CD-ROM era americano, mesmo. Ouvi a piada de graça.) Em todos esses casos, minha primeira reação foi de irritação. "Não soube procurar." Mas não posso me queixar. Bem-feito pra mim por ir contra os meus próprios princípios.

Existem vários motivos para que não se façam ou aceitem encomendas. Tanto as excursões quanto as viagens a negócios costumam ter um roteiro bem rígido. O viajante tem direito de aproveitar os momentos livres como lhe aprouver, procurando o que for do interesse dele. Isso ele fará com prazer e motivação, indo nas lojas certas tantas vezes quantas forem necessárias até encontrar ou desistir. Eu próprio, em 1985, frustrei-me nos Estados Unidos tentando achar um livro que eu muito queria. Se eu o tivesse encomendado a outra pessoa e ela não o trouxesse, eu pensaria, como sempre: "não soube procurar". Mas como eu mesmo fui em busca do que me interessava, tive certeza de que não havia como consegui-lo. Hoje, felizmente, compra-se qualquer coisa pela Internet.

Mesmo assim, testemunhei o calvário de alguns colegas de excursão que aceitaram encomendas. Ah, aquela raquete de tênis para o filho. Tem que ser aquele modelo certo. O toca-fitas para o irmão. Os óculos espelhados para piscina. O CD player. Alguns, bravamente, insistiam em sua busca, para não decepcionar. E perdiam tardes inteiras com isso. No fundo, eu tinha pena não de quem teria sua encomenda frustrada, mas dos que se esforçavam em sua procura e não receberiam o devido crédito. Com certeza, quem fez as encomendas pensaria: "não soube procurar". Até minha mãe achava isso quando me pedia para buscar alguma coisa na loja da esquina e eu não encontrava, então o que dizer de uma compra em viagem?


Não é só em viagens ao exterior que a gente tem que se resguardar. Idas a São Paulo, por exemplo, é bom manter em segredo. Sempre aparece alguém querendo uma peça, um item de reposição, um conserto, enfim, alguma coisa que "só tem em São Paulo". E acham que é uma cidade como Porto Alegre, em que se vai a qualquer lugar em no máximo meia-hora pagando dez reais de táxi. Eu não cheguei a receber encomendas de São Paulo, mas já ouvi comentários posteriores do tipo "pena que eu não sabia que você ia pra lá, senão teria pedido tal coisa". Ainda bem que não pediu.

Alguns viajantes possuem táticas politicamente corretas para driblar as encomendas. Anotam qualquer coisa e depois dizem que não acharam ou falam que vão ligar para pegar os dados e "ficam sem tempo". Eu prefiro ser sincero e dizer que não aceito encomendas, ponto final. Tenho um camarada que foi, por assim dizer, o meu primeiro "amigo musical", para quem tomei a iniciativa de dizer em 1985: "Estou indo aos Estados Unidos e não vou trazer nada para ninguém, mas se você quiser um disco eu trago, pois isso eu vou olhar bastante por lá." E ele guarda até hoje o vinil de "Axis, Bold as Love", de Jimi Hendrix, que eu não tive dificuldade nenhuma de encontrar. Mesmo assim ele pagou. Mas foi uma exceção. Não sei se terei a chance de ir novamente ao exterior, mas se tiver, já sabem: não aceito encomendas.