quarta-feira, outubro 13, 2004

Vida Urgente

Há duas semanas eu estava caminhando com meu filho no Shopping Praia de Belas quando avistei o quiosque da Fundação Thiago Gonzaga, da campanha Vida Urgente. Thiago era filho de Régis e Diza Gonzaga. Régis é um conhecido professor de cursinho em Porto Alegre. Nunca tive aula com ele, mas quem teve garante que é um dos melhores professores de Matemática do Rio Grande do Sul. No dia 20 de maio de 1995, Régis e Diza perderam seu filho Thiago em um acidente de carro. Thiago ia de carona. Tinha 18 anos.

Um ano após o acidente, o casal criou a Fundação Thiago Gonzaga. O objetivo é promover campanhas de conscientização para evitar que outros jovens sejam vítimas da mesma fatalidade. É um trabalho louvável que merece ser apoiado. Mas, infelizmente, a luta de Régis e Diza esbarra em uma cultura profundamente arraigada na mente do brasileiro. Basta responder bem rápido: o que significa, no Brasil, "bom motorista"? É o que dirige com mais velocidade. O motorista cauteloso, em geral, é visto como inseguro e sem destreza. Bom motorista é o que tem segurança para correr. Se algum carona reclama disso, recebe uma resposta tipo "tem que ver que eu dirijo desde os 13 anos", revelando outra irregularidade.

Existe uma mentalidade generalizada de que as regras de trânsito são apenas para os motoristas sem habilidade. Quem é ás do volante pode dirigir como quiser onde quiser, pois "se garante". Até acredito que haja condutores com perícia para andar em altas velocidades com um mínimo de risco. Mas, de qualquer forma, estão dando chance para o azar, além difundir um mau exemplo. Até hoje o brasileiro não entende a morte de Ayrton Senna. É difícil para o nosso povo aceitar a idéia de que a profissão dele era de risco e nem ele, com toda a sua capacidade, estava livre de um acidente. Pode ter sido um infortúnio, mas que a chance existia, existia. E aconteceu.

Nosso trânsito é hostil. Cada motorista encara o outro como um inimigo. Como alguém que não deveria estar ali, pois está ocupando espaço e impedindo a passagem livre. A irritação de quem vê seu avanço tolhido pelo carro da frente não é menor do que a quem leva luz alta e buzina por estar andando numa velocidade segura. É a "lei do Gérson" aplicada ao tráfego: cada um quer estar na pista que anda mais depressa e chegar primeiro.

A mensagem que Régis e Diza gostariam de passar a todos é a de que as chances de se perder um ente querido no trânsito são maiores do que se pensa. E seria muito fácil evitar se as pessoas não fossem tão burras (o termo sou eu quem está usando). Eles sentiram na pele as conseqüências e, com isso, adquiriram uma consciência que gostariam de partilhar. O problema é como fazer isso. Palavras às vezes não bastam. Mas o trabalho da Fundação Thiago Gonzaga se constitui principalmente de ações. Tentar mudar toda uma cultura é uma luta inglória, difícil, quase impossível. Mas eles não vão desistir.

Para saber mais sobre a Fundação, visitem o site na Internet.

(Este texto estava pronto há bastante tempo, mas eu o estava guardando para quando faltasse assunto. Os acidentes fatais da volta do feriadão me incentivaram a publicá-lo imediatamente, apenas atualizando a primeira frase.)

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