Transmitindo informações
O exemplo típico é da pessoa que volta de viagem.
- E aí, como foi a viagem?
- Ah, muito legal, muito legal mesmo.
- Tá, mas conte mais, o que você viu?
- Ah, visitei vários países da Europa, Itália, França, Portugal, Espanha... Foi muito legal!
Em geral a conversa começa sempre assim. Mas você começa a ficar nervoso quando, depois de várias perguntas, não consegue arrancar do viajante algo mais do que o "muito legal, muito legal..." E fica nisso. Assim também é quando alguém vê um show que você gostaria de ter visto e não pôde. Você fica ansioso pelos detalhes e só o que a pessoa diz é:
- Ah, foi demais, afudê, muito legal!
- Tá, mas que músicas ele cantou?
- Ah, cantou várias, cantou os sucessos, tantou tal música... Foi muito legal!
Mas nada é mais crítico do que descrever um trajeto até algum lugar. Segunda-feira, véspera do feriado, fui buscar uma amiga em sua casa. Ela me deu o endereço e explicou:
- O prédio fica na rua Tal 706. É fácil achar, você dobra à direita na rua Tal e vai sempre reto. É o edifício mais alto e mais bonito da rua.
Chegar à rua Tal até que foi fácil. Mas os primeiros prédios que avistei eram todos de número muito baixo. E logo a seguir a via passava a ter um traçado irregular que me deixou inseguro. Como não tenho celular, fui até o orelhão mais próximo e liguei.
- Estou na tua rua, mas depois do número 300 ela é uma subida com curva à direita. Estou no caminho certo?
- Não tem que dobrar à direita, eu te falei: segue reto!
- Mas a rua faz uma curva, não faz?
- Segue reto, não tem como errar!
- Bom, vou tentar seguir adiante.
Voltei até o carro e prossegui. O trajeto sinuoso e ligeiramente íngreme me fez descrever uma curva à direita, depois à esquerda. O nome da rua em um dos edifícios me confirmou que eu estava no caminho certo. Mas quando cheguei no número 710, concluí que já tinha passado. Estacionei o carro e tentei achar o número 706 caminhando. Não apareceu. Liguei de outro orelhão. Ela disse que já estava me enxergando e viria me encontrar. Aí, para minha surpresa, ela surgiu do lado oposto ao que eu esperava! Percebi que, depois de um certo ponto, a numeração começava a decrescer. Ora, se eu morasse no mesmo endereço, teria o cuidado de avisar a quem viesse me visitar que a rua era em "S" e a numeração era incoerente. Mas ela achou que "vai sempre reto" fosse dica suficiente.
- Mas eu te disse que era o prédio mais alto e mais bonito da rua, não disse?
Disse. E para que essa informação me fosse de alguma valia, eu teria que fazer um reconhecimento visual de todos os prédios e ir até o fim da rua para ter certeza de que não apareceria outro mais alto ou mais bonito (e, convenhamos, este último critério é subjetivo como a fábula da raposa e da coruja). Isso me lembra o pai de um amigo meu viajando de carro pelo Brasil. Pediu informação a um morador local e ouviu:
- Quando o senhor chegar no último posto de gasolina, dobra à direita.
Ah, sim, o último posto. Não tem como errar. É o primeiro depois do penúltimo.
Em contrapartida a meus argumentos, existe o texto clássico "Uma Mensagem a Garcia", do americano Helbert Hubbard (leia aqui o texto em português comentado pelo autor e aqui o original em inglês), que é um elogio às pessoas que chegam onde têm que chegar com um mínimo de orientação. Sem dúvida, é um mérito conseguir executar uma tarefa com instruções incompletas ou falhas. Mas a minha admiração ainda é maior por aqueles que sabem transmitir uma informação de forma completa e precisa.
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