A digitalização do inútil
Infelizmente o universo digital incorporou também as inutilidades do mundo real. As mensagens repassadas, por exemplo. Antes do e-mail, elas circulavam via xerox. Como era um procedimento mais trabalhoso do que simplesmente clicar no botão de "encaminhar", havia uma certa seletividade. Mesmo assim, recebíamos correntes, piadinhas, pensamentos e alertas falsos aos montes. Alguns até eram criativos, como aquele que dizia para enviar sua mulher pelo correio para depois certo tempo receber não sei quantas esposas, algumas das quais seriam verdadeiras beldades. Não quebre a corrente, Fulano quebrou e recebeu a própria esposa de volta. Outros eram em tom ameaçador para quem não obedecesse e beiravam o mau gosto. Em 1989 alastrou-se um aviso de que havia tabletes de LSD sendo distribuídos na forma de decalques infantis e deveríamos tomar cuidado para que não caíssem nas mãos de nossos filhos. As piadas em geral eram legais. Eu próprio repassei algumas, mas em mãos e para as pessoas certas.
Em alguns casos, a versão digital de coisas ruins pode ser benigna. É frustrante quando alguém ingenuamente aciona um programa tipo "Cavalo de Tróia" e detona o conteúdo do HD, mas muito pior seria ter uma carta-bomba explodindo nas mãos. O vírus que infecta o seu micro não causa o mesmo mal que alguns que podem atingir seu organismo. O problema é que nós nos acostumamos a ver o computador como uma síntese do mundo real e, quando percebemos, agimos como se vivêssemos dentro dele. Quando o sistema trava, você sente vontade de gritar: "Tô preso! Me tira daqui!" Mas nada se iguala à frustração de ouvir que você não poderá fazer a transação desejada porque "o sistema está fora".
Já digitalizaram o golpe. Aqueles e-mails que pedem atualização de dados em cadastros de contas correntes são mensagens falsas com objetivo de ter acesso a seu dinheiro. As propostas "sigilosas" para ajudar a desembaraçar dinheiro do exterior às vezes me deixam curioso: se eu aceitar, o que virá a seguir? Em que momento eu serei lesado? Mas acho melhor não tentar descobrir.
Menos mal que o uso de e-mail para propaganda política é ainda discreto. Os candidatos devem saber que SPAM nunca é bem recebido. Deveriam imaginar que o mesmo sentimento de hostilidade se dirige aos panfletos que entulham nossas caixas de correspondência. Agora com licença, que vou separar o joio do trigo. A propósito, Bertrand Kolecza, pode continuar enchendo a minha caixa com a Folha do Porto, que eu sempre leio com prazer, apesar de às vezes não concordar com seus editoriais. Quantos donos e editores de jornal a gente conhece que fazem pessoalmente a distribuição no bairro?
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