Tu e outros gauchismos
E assim os gaúchos têm outras manias. A moeda no Rio Grande do Sul é sempre o "pila". E é tão imutável que nem para o plural vai: é um pila, dois "pila", três "pila"... Aliás, o plural do gaúcho tem peculiaridades estranhas. A tendência é dizer um dólar, dois "dólar", três "dólar", mas cem dólares são sempre cem dólares. Talvez seja um fenômeno chamado limiar de pluralidade. Só é acionado a partir de uma certa quantia.
A imprensa costuma transcrever falas e entrevistas corrigindo esses pequenos erros. Se aparecer escrito que o gaúcho disse "tu foste", "tu és", pode apostar que o que ele realmente falou foi "tu foi" e "tu é". Certa vez um garoto foi flagrado tentando roubar um carro. Na delegacia, consta que teria dito: "E aí doutor? Vou ter mais um arreglo?" Garanto que ele disse "arrego". O "l" foi "cortesia do editor", só faltou o carimbo. Pior é quando transcrevem errado. Tatata Pimentel, que é professor de Português, deve ter tido chiliques quando a saudosa revista Wonderful escreveu que ele teria dito "fostes" e "dissestes". Essa é a conjugação do "vós", não do "tu".
Quem da minha faixa etária nunca soltou um "te fraga" na sua vida? Ou melhor: "ti fraga", mesmo, pra ficar coerente com a pronúncia. Essa frase consegue ter mais erros do que palavras: colocação de pronome, ortografia e palavra inexistente. O certo seria: "flagra-te". Mas quem no Brasil consegue falar assim? Seria o mesmo que olhar bem fundo nos olhos da namorada e dizer: "Amo-te!" Que romântico.
Lembrei de tudo isso porque ontem, depois de votar, dei uma caminhada até o Brique da Redenção. Aí, ouvi um vendedor falar "tu comprou". Ao meu lado uma senhora murmurou pra si mesma, mas alto o suficiente para que eu ouvisse:
- Com-pras-te. Tu... com-pras-te.
Eu olhei para ela e comentei:
- Ah, mas ninguém fala assim.
Ela respondeu:
- É, mas é horrível quando tu ouve.
Não resisti. Falei na hora:
- Tu ou-ves!
Acho que ela se convenceu.
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