sexta-feira, outubro 01, 2004

Compromisso

Existe uma cultura no Brasil que eu tenho dificuldade de aceitar, embora admita já tê-la usada a meu favor algumas vezes. É a idéia de que compromisso é um conceito relativo. Por exemplo, se alguém diz que vai aparecer na sua casa a tal hora, é desnecessário fazer a ressalva: "mas não é certo que eu vá". Isso está implícito. Se não perceber, azar o seu, pois já faz parte de nossos usos e costumes e você deveria saber. O sujeito simplesmente não vem e nem se preocupa em dar uma desculpa razoável. "Não deu pra ir." Pronto, está justificado! Que outra explicação você ainda quereria?

A questão é que muitas vezes – na maioria delas – você planeja os seus afazeres considerando que a outra pessoa vai honrar o que prometeu. A empregada ficou de vir na sexta? Você corre para levar as roupas à lavanderia a tempo de trazê-las de volta na quinta para que ela as engome na sexta. E se ela não vem? Invalida todo o seu esforço. E assim existem muitos casos. Quantas histórias a gente conhece de pessoas que fizeram plantão em apartamentos ainda não ocupados para esperar a chegada de móveis, fogões e geladeiras. Em vão. "Não deu pra ir", é o que a loja diz depois. E não adianta resmungar, ranger dentes, dizer que eles haviam prometido a entrega para aquele local e horário. A resposta será: "Sim, eu sei. Mas já disse que não deu pra ir. O que o senhor quer que eu faça?" A lógica é simples assim.

É isto que o brasileiro teima em não aprender: se cada um fizer corretamente a sua parte, todos sairão ganhando. O sistema como um todo funcionará melhor. Não, cada engrenagem quer ser mais esperta do que a outra. Fiquei impressionado ao descobrir que, em livros sobre o Brasil para estrangeiros, ensina-se que a etiqueta brasileira manda chegar sempre depois do horário marcado. Lembro da surpresa de dois australianos especialistas em aparelhos para surdez que tinham uma palestra em Porto Alegre marcada para as sete da noite. Chegada a hora, o salão estava vazio. Levou pouco mais de meia-hora para encher, mesmo assim eles não entenderam. Se o horário era sete da noite, por que o público chegou às sete e meia? Para eles, não fazia sentido.

Mas há luz no fim do túnel. A criação do Código do Consumidor, que tanta polêmica causou em 1990, conseguiu mudar muita coisa para melhor. Também algumas leis e normas que antes só existiam pra bonito agora estão sendo realmente aplicadas. Ainda custo a crer que as pessoas estão mesmo deixando de fumar em shoppings. Aos poucos as coisas vão mudando. Mas eu não tenho muita paciência.


Antes de encerrar este texto, dei mais um telefonema para minha casa e constatei: a faxineira chegou! Espero que atenda o meu pedido de não deixar o ambiente com cheiro de cigarro.

1 Comments:

Blogger Unknown said...

Dez anos depois, as coisas ainda estão devagar, mas...chegaremos lá.
Meu pai, com quem convivi pouco, mas intensamente, me ensinou entre outros ensinamentos, que não somos obrigados a marcar compromissos, mas depois de marcado, devemos cumprir.
É uma questão de caráter.

8:47 AM  

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