quinta-feira, junho 29, 2017

Duas lendas do rock gaúcho em CD

Numa curiosa sincronicidade, dois CDs de nomes lendários do rock gaúcho saem ao mesmo tempo. Fughetti Luz, ex-vocalista do Liverpool e do Bixo da Seda, chega ao seu terceiro álbum solo. Zé Flávio, veterano guitarrista e compositor de bandas como Em Palpos de Aranha, Mantra e Almôndegas, lança o seu primeiro disco individual. Em ambos os casos, com participações especialíssimas.
Ao batizar seu CD de Tempo Feiticeiro, Fughetti cria uma pequena confusão para os futuros pesquisadores, pois esse é também o nome de uma faixa de seu primeiro CD, de 1996. Mas ela não reaparece aqui. E ainda temos no novo disco o rock "Xeque Mate", que é como se chama seu segundo CD, de 2002, que também não continha uma faixa homônima. Já houve casos de discos com títulos de músicas que estavam em outros lançamentos, como Sheer Heart Attack do Queen e Cucumber Castle dos Bee Gees. Mas este é um raro exemplo em que isso acontece duas vezes na discografia de um mesmo artista.

Fughetti honra sua fama de roqueiro seminal e traz o tradicional rock and roll 4/4 com muito peso. A produção é do guitarrista Marcelo Truda, que toca na maioria das faixas. Outra presença constante é a do baterista Edinho Espíndola, também ex-Liverpool/Bixo da Seda. O repertório inclui poucas composições inéditas. O cantor optou por revisitar velhos clássicos, como "Campo Minado", "Alquimia", "Falta Pouco" (com Luís Carlini na guitarra solo e lapsteel), "Força Interior", "Circuito Emocional" (gravada originalmente pelo Taranatiriça) e "Nosso Lado Animal". Esta última foi sucesso com a Bandaliera. Fughetti já havia registrado sua versão no CD de 2002, mas num arranjo mais singelo, somente com guitarra, teclado e voz. Desta vez o que temos é uma gravação definitiva, realmente "detonando rock and roll", como diz a letra. E com participação de Marcelo Guimarães no vocal, ele que substituiu Fughetti na última encarnação do Bixo da Seda.

Por falar no Bixo, "Hendrixmania" pode ser considerada uma volta temporária do grupo, já que é executada pelos irmãos Mimi (guitarra) e Marcos Lessa (baixo), mais Fughetti no vocal e Edinho na bateria, sendo assinada pelos quatro. "Já Era o Que É" é uma parceria entre Fughetti, o jornalista Gilmar Eitelwein e o músico Marcelo Truda. "Mudou o Vento" é uma balada com melodia que lembra Belchior e um recado muito direto: "Droga é ver a floresta queimar / droga é ver o governo mentir / droga é a caretice / que só faz tolice / pro homem não evoluir / e ver a droga que ele fez". "Tocha" não é uma regravação do CD de 1996, mas a mesmíssima faixa, aqui incluída como bônus.


Zé Flávio também gravou poucas composições inéditas em seu CD, mas nem poderia ser diferente: este é seu primeiro lançamento solo e ele é autor de pelo menos três sucessos dos Almôndegas. E eles estão aqui. "Amor Caipira e Trouxa das Minas Gerais" tem Marcelo Delacroix no vocal. "Sombra Fresca e Rock no Quintal" é cantada por Thedy Corrêa, do Nenhum de Nós. A surpresa é "Canção da Meia-Noite", apresentada num belo arranjo instrumental subtitulado "Fantasia em Cordas". Começa com uma introdução bem hard rock, depois vem uma bonita execução da melodia principal, com participação de Veco Marques no violão de 12, E-bow, ghu Zeng e ukelele.

O blues "Portas e Janelas" e a divertida "A Margarida do Brejo" são do tempo do Mantra. A segunda inclusive foi feita para uma fã que, como diz a letra, sempre dava um jeito de assistir aos ensaios do grupo. Ambas já tinham sido lançadas no CD que acompanha o livro "Continental, a Rádio Rebelde de Roberto Marinho", de Lucio Haeser, nas gravações originais do Mantra feitas no estúdio da emissora. No CD, temos versões novas, cantadas pelo próprio Zé. "Sorriso Amarelo" traz o vocal de Zé e dos irmãos Kleiton e Kledir, sendo uma parceria do último com o guitarrista. É uma suave balada sobre reconciliação, com Kleiton no violino. Por fim, "En La Noche", "Pequena Valsa das Laranjas" e "Sunset Samba" são belos temas instrumentais, com destaque para o trombone de Júlio Rizzo no terceiro.

São nove faixas no total. O título Fingerprint quer dizer "impressão digital", mas o termo em inglês permite outras interpretações, já que "finger" é "dedo", mas também pode ser "dedilhar". Cai como uma luva (cheia de dedos) para o CD de um guitarrista. Espera-se que Zé Flávio retorne ao estúdio em algum momento, pois ele tem outras ótimas composições para resgatar, como "Cara e Coragem", "Pandorga 6x8" e "Ceres Pecamin". Que tal uma volta do Mantra?