domingo, março 19, 2017

Leituras demoradas

Em minha infância e parte da adolescência, eu adorava histórias em quadrinhos, mas não encarava os livros. Minha mãe tentou me incentivar, mas não deu certo. Eu folheava aqueles volumes com 200 ou 300 páginas de puro texto e pensava: é muita coisa! A sensação que eu tinha era de que a leitura seria tão extensa e demorada quanto, por exemplo, percorrer 100 quilômetros a pé. Não me animava a enfrentar o que me parecia uma longa e interminável empreitada.

Mas houve algumas exceções. Ganhei de presente o livro "Johnny e Edison" (título original "Jennings and Darbishire"), de Anthony Buckeridge, e comecei a lê-lo. Adorei o estilo. Em alguns trechos, cheguei a rir em voz alta. Minha irmã, já adulta, vendo como eu me divertia, pediu o livro emprestado. Depois, tive a surpresa de saber que ela o leu numa noite. Numa noite? Mas como? Eu acho que demorei vários dias para concluir a leitura.

Em 1972, a Editora Abril começou a lançar no Brasil a série Hardy Boys. Li os dois primeiros volumes e até gostei, mas depois acabei desistindo de acompanhar os demais títulos. Mas lembro bem quando um conhecido me perguntou em que capítulo eu estava no primeiro livro. Não me recordo da resposta, mas fiquei impressionado quando ele me contou que já havia terminado de ler. Tão depressa?

Hoje vejo no site Audible alguns títulos das séries Jennings (o "Johnny" das edições brasileiras) e Hardy Boys e constato que os audiobooks ficam entre três e quatro horas de gravação, não mais do que isso. E eu levava dias para ler tudo. Como era difícil para mim encarar um livro naquela idade! Isso que me alfabetizei aos quatro anos e meio. Aos cinco, lia sem problemas as legendas no cinema. Não era dificuldade de decifrar as letrinhas, era falta de intimidade com a literatura, mesmo. Certa vez tive que escrever uma resenha sobre "A Volta ao Mundo em 80 Dias", de Júlio Verne, em uma edição condensada. Iniciei a leitura num dia útil, mas precisei de um fim de semana inteiro para concluir o livro a tempo. Mal tinha passado da metade quando um colega meu disse que já tinha lido.

Não admira que eu só tenha aprendido a realmente gostar de ler depois dos 20 anos. Comecei com biografias de meus ídolos da música até descobrir que, como o meu pai, aprecio textos de não-ficção. O aprendizado de inglês também me estimulou a buscar obras nesse idioma. Hoje o problema é organizar meu tempo para ler tudo o que já comprei. Mas devoro com prazer obras de até 700 páginas ou mais, quando o assunto me interessa. Para mim, a leitura foi como um exercício que assimilei aos poucos. Depois que adquiri "resistência", nunca mais tive preguiça de ler. Então acho graça ao verificar que, na infância, levava dias para concluir livros que hoje são narrados em três ou quatro horas.