Já que comentei o livro de Ken Scott, aproveito para republicar o texto que escrevi em 2007 sobre a autobiografia de Tony Visconti, outro produtor de David Bowie e artistas diversos. Foi redigido para publicação no International Magazine.
A autobiografia de Tony Visconti confirma o que já se sabia
pela Internet: apesar de seu invejável currículo como produtor de lendas do
rock, ele é um cara simples. Conta a história de sua vida com a mesma
espontaneidade e bom humor com que já respondeu a perguntas de fãs em seu site
e até por e-mail. Ele confessa, por exemplo, que se viciou em heroína e se
tratou ainda antes da fama, mas isso acabou ajudando-o a escapar do Vietnã. Tony
nasceu no bairro novaiorquino do Brooklyn e começou na música como baixista.
Mas logo começou a se interessar pelos meandros de uma sessão de gravação. Em
1967 mudou-se para Londres a convite de Denny Cordell, para ser assistente de
produção. Seus primeiros trabalhos de destaque foram com David Bowie e Marc
Bolan.
Talvez por estar novamente produzindo Bowie, ele atenua duas histórias
que antes apimentava bastante em entrevistas. Por exemplo, em 1983 ele contou
para o Time sobre o período em que morou com o músico inglês em 1970:
"Quinta-feira era noite gay. David ia a um clube gay, Angie [esposa de
David] ia a um clube de lésbicas e os dois traziam pessoas que tinham
conhecido. Tínhamos que trancar nossos quartos pois no meio da noite essas
pessoas subiam em outras camas procurando sangue novo". Já no livro esse episódio se resume a uma
menção rápida de que Tony e sua esposa Liz saíram de lá entre outras coisas
porque havia "um fluxo constante de visitantes ficando até tarde da
noite". Outra passagem que o livro
até narra, mas de forma amenizada, foi a falta de envolvimento de Bowie no
álbum "The Man Who Sold The World", que o guitarrista Mick Ronson
praticamente carregou nas costas. Tony várias vezes contou que Bowie e Angie
ficavam de namorico na recepção enquanto os músicos gravavam.
Um fato pelo qual Tony não esconde uma certa mágoa foi a
falta de crédito por seus arranjos no LP "Band on The Run", de Paul
McCartney, em 1973. Ele apenas foi citado na lista de agradecimentos. Somente
na edição comemorativa de 30 anos do disco Tony não apenas foi mencionado como
contribuiu com um depoimento para o CD 2. Paul enviou-lhe uma nota na época
dizendo: "Finalmente você ganhou seu crédito", demonstrando que
tomara conhecimento dos sentimentos do produtor. Tony fala também de seu
trabalho com o Thin Lizzy. Explica também como remontou a estrutura de "A
Sort of Homecoming" do U2 para lançamento no EP ao vivo "Wide Awake
in America".
O produtor se abre ainda sobre sua vida amorosa. Ao conhecer
a cantora inglesa Mary Hopkin em 1971, apaixonou-se veio a se separar de sua primeira mulher Liz.
Mary tornou-se sua segunda esposa. Mas era uma mulher insegura, que tinha o que
se chama em inglês de "stage fright", ou medo do palco. Usou a
gravidez e a nova vida em família como pretexto para se afastar dos shows. Isso
de certa forma explica o comportamento irritadiço que a artista demonstrou
quando veio ao Brasil em 1969 e ameaçou não cantar, reclamando da
desorganização. O casal se separou na época em que Tony produzia "Scary
Monsters", de David Bowie, em 1980. Depois de alguns namoros esporádicos,
Tony reencontrou May Pang, mas a princípio não a reconheceu como a namorada de
John Lennon com quem conversara em 1974. Obviamente ele a viu com outros olhos,
sentiu-se atraído e o resultado foi, nesta ordem, gravidez e mais um casamento.
Tony encerra o livro num tom otimista, dizendo que as
evoluções tecnológicas mudaram a indústria do disco, mas demonstrando que ainda
se entusiasma em conhecer novos músicos e produzi-los. Torce para que David
Bowie se recupere do problema cardíaco que o afastou dos palcos e diz que
espera ansiosamente pelo próximo disco do cantor, mesmo que não seja ele, Tony,
o produtor. A biografia é prefaciada por Morrisey e tem 394 páginas, mas não
inclui todas as informações já divulgadas por Tony em seu site
(http://www.tonyvisconti.com). Um complementa o outro, portanto. O lançamento é
da editora inglesa HarperCollins.
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