domingo, maio 29, 2011

Sem rasgar os princípios

Às vezes as pessoas se surpreendem com minhas lembranças de infância. É claro que, em meus primeiros anos de vida, minha percepção do mundo era limitada. Mas eu ouvia, muitas vezes prestava atenção, entendia e até raciocinava. Percebia alguns aspectos e tirava conclusões. Recentemente uma ex-cunhada minha se impressionou com alguns relatos meus dos velhos tempos. Até hoje, é normal os adultos pensarem que as crianças estão completamente desligadas de tudo dentro de um ambiente. E depois muitas delas são capazes de reproduzir os diálogos que ouviram.

Eu devia ter quatro anos quando pedi para folhear algumas revistas de meu irmão mais velho, na época com 21 anos. Eram publicações sobre automóveis, tipo "Mecânica Popular". Ele deixou, mas sob mil recomendações. Lembro bem que estávamos na cozinha eu, ele e a Celina, a empregada que ficou mais de 40 anos com minha mãe. Ele disse que eu não podia amassar nem fazer "orelha de burro" em nenhuma. Depois, virou-se para a Celina e recomendou: "Se ele rasgar alguma, tira todas dele e não deixa ele pegar mais!"

Hoje entendo a preocupação dele, pois é a mesma que eu tenho com meus livros, CDs e DVDs. Por isso mesmo é que não gosto de emprestar nada. Mas o que me chamou a atenção, mesmo aos quatro anos, é que ele pudesse imaginar que eu iria rasgar alguma de suas preciosas revistas. Aquilo, na minha cabecinha, estava fora de cogitação. Eu não iria fazer mesmo. E fiquei surpreso que ele me imaginasse como um menino arteiro capaz de cometer tal ato de vandalismo (naturalmente essa palavra me era desconhecida, mas o pensamento me ocorria de forma abstrata). Eu não era mais um bebê e tinha plena consciência de como deveria agir.

De vez em quando essa história me vem à lembrança quando alguém me imagina capaz de fazer algo que eu nem cogitaria. Existe uma tendência nas pessoas de julgar as outras, se não por si próprias, ao menos por maus exemplos que passaram antes em suas vidas. As mulheres dizem que os homens são todos iguais, os homens, de certa forma, pensam o mesmo das mulheres, mas na prática cada ser humano é tão único quanto as impressões digitais que traz em seus dedos.

Sim, às vezes alguém pode surpreender com atitudes, digamos, "inéditas" eu seu currículo. Certa vez comparei o temperamento das pessoas com uma tela interativa: existem ícones que nunca foram clicados. Se forem, revelarão funcionalidades até então desconhecidas. Mas ninguém terá dentro de si um procedimento implementado fora da linha mestra de seus princípios de certo e errado. E isso vem do berço.

Júlio César, eu não ia rasgar tuas revistas, viu? De jeito nenhum. Assim como nunca vou tomar atitudes extremadas em momentos de raiva ou revolta. Quem esperar isso de mim, não me conheceu de verdade.