Considerações
De minha infância até mais ou menos a metade da adolescência, eu costumava "ouvir" televisão quando ia deitar. Meus pais ficavam assistindo até tarde e eu ia dormir cedo. Mas, enquanto o sono não vinha, eu ficava escutando a programação. O "Quem Tem Medo da Verdade" era um programa que eu "ouvi" diversas vezes, mas sempre adormecia antes do final, sem saber se o "réu" havia sido condenado ou absolvido.
Pois foi numa dessas situações, em 1973, aos 12 anos, que eu escutei pela primeira vez os Secos e Molhados. Meus pais estavam com a TV ligada no quarto e o programa era o Clube dos Artistas. O apresentador Ayrton Rodrigues os anunciou como um grupo novo e diferente e eles cantaram "Sangue Latino". Eu, como tantos naquela época, pensei que a voz fosse de uma cantora. Alguns dias mais tarde eu estava ouvindo o programa "Ritmo 20", na Rádio Continental, na freqüência 1120 AM. Naquela noite, casualmente, o apresentador Clóvis Dias Costa estava afônico, então foi substituído ao microfone pelo locutor João Carlos Pacheco – meu irmão, na época com 26 anos. Entre outras coisas, lembro que ele divulgou o final da novela "O Bem Amado". "Nós não vamos contar que o prefeito Odorico Paraguassu vai morrer e inaugurar o cemitério de Sucupira senão a meninada vai ficar muito grilada!" Ele tinha um senso de humor incrível. Mais adiante, falou nos Secos e Molhados. Disse que era "um grupo só de homens, mas com uma interpretação tipicamente feminina." Comparou-o ainda aos Mutantes, uma semelhança que ainda hoje há quem aponte. Foi ali que fiquei sabendo que a voz que eu escutara não era de uma mulher.
Logo os Secos estouraram numa época em que era raro um grupo brasileiro ter tanta popularidade. A música estrangeira predominava, tanto que alguns cantores – vide Morris Albert – fingiam-se de americanos para fazer sucesso. Mas os Secos e Molhados foram uma exceção. Lembro de amigos meus que não compravam discos de música brasileira, mas compraram o primeiro LP dos Secos. Eles se apresentaram em Porto Alegre no Gigantinho, em dezembro de 1974. Eu estava lá. No mês anterior tinha acontecido um cambalacho, um falso show do grupo anunciado no Araújo Vianna. Mas desta vez era verdade e foi talvez o primeiro show musical no recém inaugurado ginásio do Internacional.
Naquele tempo não existia Internet, mesmo assim eu acompanhei tudo o que pude sobre os Secos e Molhados. Li as matérias da Veja e da revista Pop. Lembro da decepção de todos quando o grupo acabou bem na época do lançamento do segundo LP. Pouco antes disso, em julho de 1974, eu tinha feito minha primeira viagem aos Estados Unidos. Um dos LPs que eu trouxe debaixo do braço (na mala, jamais!) foi "Hunky Dory", de David Bowie, que só sairia no Brasil em 1990. Ali estava a música que viria a se tornar a minha preferida dele: "Life on Mars". E, por uma coincidência incrível, o Fantástico mostrou o clip na semana seguinte à minha volta. A gravação era de 1971, o clip era de 1973, mas foi mostrado no Brasil em 1974, tão logo eu cheguei dos Estados Unidos com o disco não mão (eu imagino qual teria sido a minha reação se ouvisse a música sem ter o disco – provavelmente pensaria que era novidade e ficaria aguardando ouvi-la no novo LP, "Diamond Dogs").
aqui. E, como disse um amigo do Orkut, nem ao menos foi uma pesquisa profunda e complicada. Nada disso: foi rápida e certeira. Deveria realmente ter encerrado a discussão. Mas, pelo visto, nunca vai encerrar.
Contei essa história para deixar claro que conheço bem o assunto já de longa data. E caso não tenha dado pra perceber, afirmo que não sou o que chamo de "fã torcedor", aquele que encara música como futebol em que ele tem que torcer para um time e defendê-lo até a morte. Conheço fãs que nem dormem direito porque seu ídolo não constou numa lista de 10 ou 50 melhores. Ou porque algum crítico falou mal de um show ou disco. Aí vem aquela ladainha que a gente sabe de cor, "esses críticos não entendem nada de música, só gostam do que é ruim, blá blá blá..." Não pactuo com essa postura de fã nenhum, seja de Kiss, David Bowie, Secos e Molhados ou quem quer que seja. Lembro que, quando Rolling Stones e U2 estavam em evidência na Globo por causa dos shows no Rio, alguns fãs de Bowie começaram a ficar enciumados: "Por que não é o Bowie que está na mídia, por que não trouxeram ele para esses shows..."
Outra história rápida: a primeira vez que ouvi "Do Ya Think I'm Sexy", de Rod Stewart, falei na hora: essa música é plágio de "Taj Majal", de Jorge Ben. E era mesmo. Tanto que Rod foi processado e teve que achar uma forma de indenizar Ben, dando-lhe crédito de co-autoria em "She Won't Dance With Me". Mas quando eu falei isso, sabia que Rod Stewart havia estado no Brasil em 1976. Não para fazer shows, mas veio. Outro caso: sou Beatlemaníaco, mas não vou negar que George Harrison realmente plagiou "He's So Fine", das Chiffons. As músicas são iguais.
Não importa a minha "auto-estima de brasileiro", não importa se já houve casos em que o pioneirismo dos brasileiros não foi reconhecido, não importa se sou ou não sou fã do Kiss: é preciso saber separar as coisas. Se digo que o Kiss não se inspirou nos Secos e Molhados para criar sua maquiagem, é porque cheguei a essa conclusão de forma isenta e fundamentada. Não estou contestando a história que Ney conta dos empresários que o procuraram no México, mas afirmo que as conclusões dele é que estão equivocadas. Não nego que os Secos e Molhados se lançaram antes. Mas não tão antes que desse tempo de o Kiss copiá-los. O que confunde as pessoas é que os Secos estouraram instantaneamente enquanto o Kiss levou alguns anos para ser notado.
Não sou "fã torcedor". Não me sinto na obrigação de "defender" ninguém. Mas a verdade, sim.
P.S.: Eu teria curiosidade de saber o que o Paulo Ricardo pensa disso. Afinal, ele é fã declarado dos Secos e Molhados (tanto que o RPM gravou "Flores Astrais") e amigo de Ney Matogrosso (Ney dirigiu os shows do RPM da primeira fase). Nas duas extensas biografias do Kiss que escreveu para os pôsteres especiais da Somtrês, em nenhum momento ele citou os Secos e Molhados. E quando escreveu sobre os Secos e Molhados para um livro da editora Rio Gráfica, onde ironicamente descreveu situações que o próprio RPM viveria, também não falou nada numa possível inspiração para o Kiss.
Pois foi numa dessas situações, em 1973, aos 12 anos, que eu escutei pela primeira vez os Secos e Molhados. Meus pais estavam com a TV ligada no quarto e o programa era o Clube dos Artistas. O apresentador Ayrton Rodrigues os anunciou como um grupo novo e diferente e eles cantaram "Sangue Latino". Eu, como tantos naquela época, pensei que a voz fosse de uma cantora. Alguns dias mais tarde eu estava ouvindo o programa "Ritmo 20", na Rádio Continental, na freqüência 1120 AM. Naquela noite, casualmente, o apresentador Clóvis Dias Costa estava afônico, então foi substituído ao microfone pelo locutor João Carlos Pacheco – meu irmão, na época com 26 anos. Entre outras coisas, lembro que ele divulgou o final da novela "O Bem Amado". "Nós não vamos contar que o prefeito Odorico Paraguassu vai morrer e inaugurar o cemitério de Sucupira senão a meninada vai ficar muito grilada!" Ele tinha um senso de humor incrível. Mais adiante, falou nos Secos e Molhados. Disse que era "um grupo só de homens, mas com uma interpretação tipicamente feminina." Comparou-o ainda aos Mutantes, uma semelhança que ainda hoje há quem aponte. Foi ali que fiquei sabendo que a voz que eu escutara não era de uma mulher.
Logo os Secos estouraram numa época em que era raro um grupo brasileiro ter tanta popularidade. A música estrangeira predominava, tanto que alguns cantores – vide Morris Albert – fingiam-se de americanos para fazer sucesso. Mas os Secos e Molhados foram uma exceção. Lembro de amigos meus que não compravam discos de música brasileira, mas compraram o primeiro LP dos Secos. Eles se apresentaram em Porto Alegre no Gigantinho, em dezembro de 1974. Eu estava lá. No mês anterior tinha acontecido um cambalacho, um falso show do grupo anunciado no Araújo Vianna. Mas desta vez era verdade e foi talvez o primeiro show musical no recém inaugurado ginásio do Internacional.
Naquele tempo não existia Internet, mesmo assim eu acompanhei tudo o que pude sobre os Secos e Molhados. Li as matérias da Veja e da revista Pop. Lembro da decepção de todos quando o grupo acabou bem na época do lançamento do segundo LP. Pouco antes disso, em julho de 1974, eu tinha feito minha primeira viagem aos Estados Unidos. Um dos LPs que eu trouxe debaixo do braço (na mala, jamais!) foi "Hunky Dory", de David Bowie, que só sairia no Brasil em 1990. Ali estava a música que viria a se tornar a minha preferida dele: "Life on Mars". E, por uma coincidência incrível, o Fantástico mostrou o clip na semana seguinte à minha volta. A gravação era de 1971, o clip era de 1973, mas foi mostrado no Brasil em 1974, tão logo eu cheguei dos Estados Unidos com o disco não mão (eu imagino qual teria sido a minha reação se ouvisse a música sem ter o disco – provavelmente pensaria que era novidade e ficaria aguardando ouvi-la no novo LP, "Diamond Dogs").
aqui. E, como disse um amigo do Orkut, nem ao menos foi uma pesquisa profunda e complicada. Nada disso: foi rápida e certeira. Deveria realmente ter encerrado a discussão. Mas, pelo visto, nunca vai encerrar.
Contei essa história para deixar claro que conheço bem o assunto já de longa data. E caso não tenha dado pra perceber, afirmo que não sou o que chamo de "fã torcedor", aquele que encara música como futebol em que ele tem que torcer para um time e defendê-lo até a morte. Conheço fãs que nem dormem direito porque seu ídolo não constou numa lista de 10 ou 50 melhores. Ou porque algum crítico falou mal de um show ou disco. Aí vem aquela ladainha que a gente sabe de cor, "esses críticos não entendem nada de música, só gostam do que é ruim, blá blá blá..." Não pactuo com essa postura de fã nenhum, seja de Kiss, David Bowie, Secos e Molhados ou quem quer que seja. Lembro que, quando Rolling Stones e U2 estavam em evidência na Globo por causa dos shows no Rio, alguns fãs de Bowie começaram a ficar enciumados: "Por que não é o Bowie que está na mídia, por que não trouxeram ele para esses shows..."
Outra história rápida: a primeira vez que ouvi "Do Ya Think I'm Sexy", de Rod Stewart, falei na hora: essa música é plágio de "Taj Majal", de Jorge Ben. E era mesmo. Tanto que Rod foi processado e teve que achar uma forma de indenizar Ben, dando-lhe crédito de co-autoria em "She Won't Dance With Me". Mas quando eu falei isso, sabia que Rod Stewart havia estado no Brasil em 1976. Não para fazer shows, mas veio. Outro caso: sou Beatlemaníaco, mas não vou negar que George Harrison realmente plagiou "He's So Fine", das Chiffons. As músicas são iguais.
Não importa a minha "auto-estima de brasileiro", não importa se já houve casos em que o pioneirismo dos brasileiros não foi reconhecido, não importa se sou ou não sou fã do Kiss: é preciso saber separar as coisas. Se digo que o Kiss não se inspirou nos Secos e Molhados para criar sua maquiagem, é porque cheguei a essa conclusão de forma isenta e fundamentada. Não estou contestando a história que Ney conta dos empresários que o procuraram no México, mas afirmo que as conclusões dele é que estão equivocadas. Não nego que os Secos e Molhados se lançaram antes. Mas não tão antes que desse tempo de o Kiss copiá-los. O que confunde as pessoas é que os Secos estouraram instantaneamente enquanto o Kiss levou alguns anos para ser notado.
Não sou "fã torcedor". Não me sinto na obrigação de "defender" ninguém. Mas a verdade, sim.
P.S.: Eu teria curiosidade de saber o que o Paulo Ricardo pensa disso. Afinal, ele é fã declarado dos Secos e Molhados (tanto que o RPM gravou "Flores Astrais") e amigo de Ney Matogrosso (Ney dirigiu os shows do RPM da primeira fase). Nas duas extensas biografias do Kiss que escreveu para os pôsteres especiais da Somtrês, em nenhum momento ele citou os Secos e Molhados. E quando escreveu sobre os Secos e Molhados para um livro da editora Rio Gráfica, onde ironicamente descreveu situações que o próprio RPM viveria, também não falou nada numa possível inspiração para o Kiss.
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