terça-feira, dezembro 19, 2006

Geração MP3

(Publicado originalmente no International Magazine.)

Depois de muito argumentar pela Internet e, pelo menos uma vez, aqui no IM, cheguei a uma conclusão: é impossível combater a pirataria em MP3 ou CDR. O dano é irreversível. Não há como convencer toda uma geração que já cresceu "baixando música" de que é mais vantagem investir no produto oficial. Pelo contrário: essa garotada é que não entende como pode haver gente que ainda compra CD em loja. Já paguei muito mico tentando orientar quem me perguntava onde encontrar tal gravação. Ficava todo feliz de informar não só que ela estava disponível em CD, mas também onde encomendar. Mas o que o sujeito queria saber era onde achava para baixar. Em alguns casos a minha resposta não era de todo desperdiçada. A pessoa respondia: "Obrigado pela dica, já baixei!"

Diante dessa constatação, só o que eu desejo é que o CD oficial continue existindo enquanto eu viver, para que eu possa seguir abastecendo a minha coleção. Não adianta, eu me acostumei com música adquirida em meio físico, com capa, encarte e rótulo. É uma mentalidade herdada do valor que minha mãe dava aos livros. Em minha infância, eu não entendia por que ela era tão rigorosa em dizer que livro não se risca e não se recorta. Ora, no que isso prejudica a leitura? Mas ela, em sua sabedoria, ensinava: "livro é jóia". Por isso até hoje eu não me contento com xerox ou textos digitalizados. E estendo essa lógica para a música: quero o original, não cópia. É um princípio de colecionador que os filatelistas entendem muito bem. Que eu saiba, eles continuam interessados em selos e não em imagens jpg.

Mas existe ainda uma questão técnica. A rigor, o mp3 não tem a mesma qualidade de áudio de uma faixa original de CD. O formato utiliza compressão de dados com descarte de informações. Em outras palavras, nem todo o som é armazenado. Ficam de fora basicamente ruídos que o ouvido humano não percebe ou sons "mascarados" pela presença de outros mais intensos. Essa é a teoria. Na prática, dependendo do grau de compressão utilizado, pode haver uma perda significativa na fidelidade. Por isso mesmo, os chamados "audiófilos" não querem nem ouvir falar em mp3.

Mas o povo não está preocupado com esses detalhes. Alguns, reconheça-se, fazem um uso inteligente do mp3, convertendo raridades de vinil, gravações inéditas do rádio ou de shows ou pesquisando artistas obscuros de outros países. O mp3 também agiliza o envio de músicas para divulgação às rádios. Mas esses casos são minoria. A massa quer mesmo é usar Emule e similares (acreditem, não entendo nada disso) como substituição à antiquada loja de discos. Em minha adolescência, quando se gostava muito de uma música, perguntava-se: "Não tem em compacto?" Era a forma de adquirir somente a faixa preferida sem gastar o dinheiro da mesada num caro LP. Hoje o mp3 tomou o lugar dos compactos sem custar um centavo.

E as gravadoras, como ficam? Quanto mais rápido aceitarem a nova realidade, melhor para elas. Não adianta chorar o passado. O tempo em que a única forma de "roubar música" era gravando uma fita cassete de péssima qualidade há muito já passou. Justo ou injusto, o mp3 veio para ficar. E não adianta lançar disquinhos tipo "Copy Controlled". O efeito é meramente punitivo, pois impede que a turma da pirataria tenha acesso às faixas protegidas. Mas ninguém entre eles vai comprar o que não pode baixar. Ouvem outra coisa, mas não compram. Com isso, quem acaba sendo penalizado é o fiel colecionador de originais, que não pode tirar cópias para si mesmo para levar no carro ou para o trabalho. Ou pior: nem mesmo consegue tocar os discos de cópia inibida em todos os aparelhos. A rigor, o "Copy Controlled" não é um CD, pois não segue à risca as especificações do padrão criado pela Phillips. Alguns títulos da segunda série dos Fevers foram reconhecidos como "VCD1.1" pelo meu DVD Player Gradiente D461, que não reproduziu som nenhum. Como diz o chavão, os justos pagam pelos pecadores.

Então o primeiro passo seria as gravadoras aceitarem que, no novo milênio, estão atendendo a uma parcela de público mais restrita e exigente. Esses têm que ser bem tratados, pois são clientes especiais. Merecem lançamentos caprichados, com encartes informativos. Nada de obrigá-los a sofrer com os "Copy Controlled" da vida. Fazendo uma comparação, é como se um artista encontrasse uma platéia pequena ao abrir do pano e descarregasse justamente nos que vieram. O público presente, ainda que reduzido, faz jus a um bom show. Em segundo lugar, é preciso imaginar novas formas de ganhar dinheiro com música. O mercado como um todo tem que se readaptar. Aliás, já está acontecendo. Chego a imaginar que um dia os artistas lançarão suas gravações de forma totalmente gratuita pela Internet em MP3, mas com alto grau de compressão. Quem quiser o áudio perfeito comprará o CD, que poderá vir autografado ou com algum item exclusivo para torná-lo atraente. Pronto, assim ficam todos satisfeitos.

Por fim, para que fique bem claro de que lado estou, convido os leitores do IM a conhecer duas heróicas comunidades do Orkut: "Eu odeio MP3" e "Eu odeio CD Pirata". Não foram criadas por mim, mas têm o meu total apoio.

1 Comments:

Blogger jader_cm said...

Quanto à qualidade dos mp3 eu faço uso de uma sinestesia que deve ser bem batida, mas não me lembro de ter copiado de algum lugar: "ouvir música em mp3 é ouvir música sem cor". Foi o mais próximo de uma definição que eu pude chegar, mas acho que é isso mesmo.

Na questão da "Geração mp3", no entanto, penso que há coisas positivas a se considerar. A própria divulgação fácil, rápida e barata de trabalhos que não tem interesse comercial majoritário, ao contrário de Ivetes Sangalos e duplas sertanejas de todas as combinações de nomes possíveis, para mim é um ponto crucial. Eu sei como é difícil para novas bandas arranjarem dinheiro para gravarem seus discos e fazerem uma divulgação minimamente decente. Amigos meus demoraram três anos para aprovarem um projeto para a gravação de um cd autoral de músicas instrumetais (atuei como convidado no trabalho e, sabendo das dificuldades, não fiz questão de cobrar nada pelas participações).

Esse assunto é um tanto quanto delicado ao meu ver. Sou muito aberto a novas opiniões (em qualquer discussão, na verdade) e sempre gosto de conversar sobre ele.

Mas uma coisa é fato: que a qualidade é ruim, isso é!

Abraços!

6:19 PM  

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