quinta-feira, dezembro 14, 2006

Espeto corrido

Comemorei meu aniversário ontem, com atraso mesmo. Nada muito bombástico. Fui a uma churrascaria com minha namorada. Repus meu nível de proteína. Explicando melhor: lembram daquela dieta que estou anunciando desde o ano passado? Pois já faz algum tempo que comecei. Por enquanto só perdi o excesso do excesso, ou seja, ou peso a mais que havia acumulado nos últimos dois anos. Mas está dando certo. Não sinto falta de massas ou doces, porque as primeiras até posso consumir em doses moderadas, o que me é suficiente. E consigo passar sem doces com tranqüilidade. Mas chego a sonhar com carne gorda. De churrasco, entenda-se. Já sonhei até que estava comprando carne crua em supermercado. Como era para comemorar, decidi matar a saudade de uma boa churrascada. Mas maneirei (um pouco) na gordura e tratei de "ouvir" meu estômago, agora com a capacidade reduzida pelo controle alimentar. Ao primeiro sinal de saciedade, encerrei os trabalhos.

Até prova em contrário, não existe churrasco como o do Rio Grande do Sul. Passei cinco meses em Brasília em 1990 e tive síndrome de abstinência de um bom espeto corrido. Agora sei por que nos outros estados diz-se "rodízio de carne": porque espeto corrido é só o nosso, com carne selecionada, assada com sal grosso, não importando se está dura demais ou de menos. O sabor é que conta. Depois daquela temporada em Brasília comendo carne amaciada e sem gosto, percebi que só o legítimo espeto corrido é que me sacia a fome de churrasco. Mas que isso não seja interpretado como uma ofensa à Capital Federal e seus moradores. São as velhas diferenças locais: talvez para vocês a nossa carne é que seja ruim, dura e salgada demais.

Existe um mistério que eu ainda vou desvendar: a carne em São Paulo. Dizem que é melhor do que a do Rio Grande do Sul. Um dia ainda vou tirar isso a limpo. E eu costumo ser honesto nessas avaliações. Não iria me deixar influenciar por bairrismo. Mas tenho um palpite de que as melhores churrascarias de São Paulo não são as freqüentadas por turistas. Essas eu imagino bem requintadas, com garçons de camisa de rendinha, mesas luxuosamente arrumadas, com talheres finos e aquela indefectível fichinha de plástico com um lado vermelho e outro verde que a gente vira de um lado para o outro para dizer "agora eu quero", "agora eu não quero", "agora eu quero"... Se a moda pega, vai ter mulher usando essa ficha na cabeceira da cama. O problema é que, no caso da churrascaria, os sinais verde e vermelho reduzem a comunicação a um sistema binário que não funciona na prática. Não é o espaço do meu estômago ou a vontade de conversar que determina o "agora eu quero" ou "agora eu não quero": é o tipo de carne que é oferecido.

Mas voltando ao boi assado, o meu pressentimento é de que as churrascarias para turistas em São Paulo não só pecam pela "frescura" do ambiente, como também devem servir carne amaciada. Acho que as churrascarias boas mesmo devem ser um segredo muito bem guardado entre os paulistanos. Provavelmente sejam aquelas escondidinhas, num ambiente caseiro e rústico, em que eles se encontram de tempos em tempos para falar mal dos outros, inclusive dos gaúchos. Essas eles não divulgam abertamente. Mas são essas que eu quero conhecer. Acho que, se existe carne boa em São Paulo, deve estar ali, nas churrascarias que não aparecem com quatro ou cinco estrelas nas publicações de turismo. Afinal, assim como num churrasco a melhor carne é a do assador, numa cidade grande as melhores churrascarias são a do público local. Eu tenho amigos em São Paulo. Algum deles ainda há de me revelar onde é o lugar da carne boa, que serve realmente espeto corrido e não rodízio de carne.