sexta-feira, dezembro 01, 2006

Perda lamentável

Tomei conhecimento hoje pela Zero Hora de que morreu o jornalista Ricardo Carle. Eu nem sabia que ele tinha sofrido um atropelamento em 2000 e se mantido em estado grave por todos esses anos, sem muita consciência do que se passava ao seu redor. Eu o conheci na Faculdade. Não cheguei a travar uma amizade com ele, mas com certeza o admirava. De todos os colegas que conheci na Famecos, ele era o melhor aluno. Logo, não foi por causa de notas que demorou 20 anos para se formar. Entrou junto com David Coimbra, que hoje escreveu uma comovente homenagem a ele em sua coluna, e deve ter saído depois de mim. Lia muito e escrevia bem demais. Com as baterias carregadas pela leitura, sua redação fluía. Naquele tempo ainda usávamos máquina de escrever, sem esses recursos de edição que nos permitem mexer à vontade no texto. Faziam-se eventuais correções datilografando uma seqüência de "x" sobre o erro e escrevendo a palavra certa logo acima, entre as linhas. Pois as laudas do Ricardo, pelo menos as que eu vi, eram limpas. Já nasciam perfeitas. Os revisores não deviam ter trabalho nenhum com os textos dele.

Não sei se era a faixa etária um pouco acima da média (como eu) ou o fato de que seus amigos de começo de curso já estavam todos formados, mas Ricardo Carle se mostrava quieto e reservado. Falava menos do que escrevia. Quando fomos colegas, ele trabalhava na Zero Hora. Acumulava as editorias de literatura e vídeo. Um dia chegou atrasado e disse que teve que fazer uma matéria às pressas, porque havia falecido o Isaac Asimov. Eu brinquei com ele, disse que pensei que estivesse escrevendo o obituário do cantor Antônio Marcos, "Não, o Tiaraju [Brockstedt] escreveu". Chegamos a fazer um trabalho juntos. Certa vez, dei carona para ele e aproveitei para perguntar sobre alguns ex-colegas do Colégio Pio XII que haviam entrado para o jornalismo na mesma época que ele. Conhecia todos.

Qualquer morte prematura é lamentável. Mas, no caso de um sujeito brilhante como Ricardo Carle, perde-se também uma obra em potencial que ele haveria de construir. E quando a causa mortis é atropelamento, fica mais difícil aceitar a hipótese de predestinação, de passagem com data marcada. É como um filme que rebenta antes do final. Parece ainda mais injusto.

Nem sempre criamos laços de amizade com as pessoas que conhecemos. Mas mesmo os que não se tornam amigos podem conquistar nossa admiração. Foi o caso de Ricardo Carle. Uma perda irreparável para o jornalismo.