sexta-feira, novembro 03, 2006

Valores

Não sei se é no mundo inteiro, mas no Brasil, com certeza, as pessoas têm dificuldade de entender quem não comunga dos valores da maioria. Se o sujeito desperdiça suas noites diante da TV, tudo bem, é um cara perfeitamente normal. Mas se alguém, como eu, gosta de ficar navegando em sites ou participando de grupos de discussão, é "viciado em Internet". Eu até gosto de televisão, mas não necessariamente do que mais dá ibope. Na minha infância, por exemplo, eu tinha meus desenhos preferidos. E ficava decepcionado quando minha mãe me obrigava a sair para "aproveitar o fim-de-semana, pegar sol, blá blá blá" e me privava de meus adorados super-heróis da TV. Ou dos gibis. Mas pergunte a um adulto se sairia bem na hora da novela. E isso que hoje existe videocassete, um aparelho que os usuários nunca chegaram realmente a entender.

Não sei por que existe essa idéia de que o conceito de "aproveitar" está atrelado a "sair". "Puxa, o Fulano nunca sai, não aproveita." Aproveitar o quê? Eu gosto de sair, contanto que seja para ir a shows, cinema ou algum evento de meu interesse. Ou então para me encontrar com gente com quem tenho afinidades. Se for para ficar numa mesa de bar assistindo a um bando de "bebedores sociais" se empanturrar de cerveja dizendo uma asneira atrás da outra, ou ainda agüentar fofoquinhas de comadre numa festa, prefiro mil vezes ficar em casa na companhia de meus livros, CDs e DVDs.

Não gosto de baile de Carnaval, nunca fui muito chegado em chopp, não me entusiasmo por futebol e não sou aficcionado por automóveis. Em geral o brasileiro é apaixonado por carros, um fato que já foi até explorado muito bem num comercial. Então talvez seja uma surpresa para vocês saber que meu carro está parado desde fevereiro. Minha carteira venceu e eu ainda não a renovei. Tem gente que enlouquece, tem síndrome de abstinência, se ficar uma semana sem dirigir. E eu já estou longe da direção há nove meses.

Aí vocês pensam: "Mas pelo menos você ligou seu carro de vez em quando e o manteve lavado." Não, nem isso. Ontem fui na garagem para ver se eu ainda tinha carro. Estava lá, com pneus cheios e tudo. Mas a sujeira, principalmente em cima, é algo como eu nunca tinha visto. Não, ninguém tinha escrito "lave-me" por cima. Provavelmente não tiveram coragem: o prejuízo maior seria dos dedos. Aproveitei para dar uma ligada e ver se a bateria ainda funcionava. Inacreditavelmente, depois de alguma insistência, o motor pegou. Pelo menos até a oficina vou conseguir levá-lo. Já consultei na garagem sobre lavagem. "Ah, o Golzinho? Já quiseram comprar aquele carro." Deve estar famoso entre os vizinhos de box, que querem adotar aquele pobre carrinho abandonado. O amor do brasileiro por automóveis é tanto que às vezes chego a ser censurado pelos "maus tratos" a meu carro. Se existisse uma Sociedade Protetora dos Automóveis eu já teria sido denunciado.

Breve farei o teste para renovação. Muitos me aconselharam a fazer as três aulas porque "se você for reprovado, só poderá fazer o novo teste 15 dias depois". Puxa, que risco! Mais 15 dias sem poder dirigir! O que é isso para quem já está longe do carro há nove meses? Mas as pessoas não entendem. Se a gente não tem os mesmos valores do brasileiro comum, é visto como um ET. Se você compra um carro novo e se endivida até a alma, todos dão os parabéns e dizem que "já estava na hora". Mas se você compra um gravador de DVD para pagar em 12 vezes sem juros, sempre tem alguém para perguntar: "Mas pra que você quer isso?"

Não imponho meus valores para ninguém. Mas não queiram me impor os seus. Cada um tem o direito de viver como quiser, contanto que não prejudique ninguém.