Todos conhecem a expressão "fazer-se de bobo para passar bem". É o que se diz quando alguém se finge de inocente com o objetivo de obter algum favor especial ou privilégio. Mas, depois de observar diversas situações, cheguei à conclusão de que os bobos "legítimos" ainda são maioria. Os espertos existem, mas o predomínio é de pessoas realmente sem noção, que não conhecem seus limites e acreditam ter mais direitos do que realmente possuem. Como noto a diferença? Pela reação quando não conseguem o que querem. O "bobo pra passar bem" até pode insistir, mas sabe dar-se por vencido. Sua atitude é: paciência, pelo menos tentei. Já o bobo verdadeiro fica inconformado, revolta-se feito criança mimada. Tem muita gente assim.
Há muitos anos, levei o Iuri ainda pequeno em um Pediatra que atendia em Canasvieiras. Enquanto a enfermeira cadastrava meus dados, vi um casal chegar com um nenê de colo pedindo que o médico fosse chamado na sala de espera. Eles queriam que o doutor desse uma olhada na criança "pra ver se precisava consultar". Ou seja, faltava-lhes vivência para entender que uma das finalidades da consulta é constatar ou não alguma doença e não apenas medicar. Se não houvesse nada, o dinheiro gasto valeria pela tranqüilidade – que foi exatamente o caso do meu filho. Mas não, eles queriam uma pré-consulta gratuita. O médico educadamente explicou: "ou ele consulta, ou ele não consulta". Acabou não consultando. O casal deve estar até hoje indignado com a "má vontade" do doutor.
Certa vez, fiz um curso de extensão em Análise de Sistemas em que a bibliografia era quase toda em inglês. Isso incomodava meus colegas, que não tinham bom domínio do idioma. Mas eles se safavam. Prestavam atenção nas aulas e iam bem nas provas. Mesmo assim, um dia uma professora disse que iria distribuir um material em inglês e um colega, com quem não quer nada, perguntou: "Não dava pra você traduzir pra nós antes de entregar?" Hoje a comunidade de tradutores do Orkut é regularmente invadida por gente pedindo traduções gratuitas. E ficam ofendidíssimos se não são atendidos!
Recentemente uma colega da comunidade "A Noviça Rebelde" me escreveu dizendo que estava preparando uma apresentação baseada no filme e queria que eu lhe enviasse "todas" as músicas para que escolhesse as melhores. Ora, como alguém se propõe a um projeto desses sem ter no mínimo a trilha sonora já ouvida e disponível? Por sorte achei um link onde alguém já havia postado as músicas em MP3 e o indiquei, do contrário eu teria que dizer: quem sabe você não prefere que eu lhe mande o meu CD de presente?
Um dia um colega de faculdade me contou que pediu a um vendedor de loja de discos raros que trouxesse de casa um determinado LP que ele queria olhar. E ficou revoltado porque a resposta – óbvia, diga-se de passagem – foi: "E eu vou trazer só pra você olhar?" Eu incluiria nessa turma aqueles para quem você não pode dizer que tem nada, que já querem emprestado. Enfim, é uma questão cultural. Em geral o comentário que esse pessoal suscita é o de que estão bancando os espertos. Mas eu acho que não. A maioria é "sem noção", mesmo. Fazer o quê?
P.S.: Aos que estão chegando aqui via Tecla SAP (valeu o link, Ulisses!), indico também os seguintes textos, que têm a ver com inglês ou linguagem:
A palavra que falta
Duas carnes
Eufemismos
Get a life
Inversão de valores
Objetividade verbal
Professores de inglês na berlinda
Regras para confundir
Transmitindo informações
Concordo quanto à irritação dos tradutores ao pedirem para fazer traduções de graça e da consulta médica, mas não concordo com alguns outros exemplos que você mencionou, como pedir os MP3 para um amigo ou pedir um LP para ouvir.
ResponderExcluirÉ verdade...
ResponderExcluiralgumass pessoas não se mancam.
Só acho triste porque o profissional que aceita esse tipo de 'oferta' desvaloriza a si e a sua classe.
Cheguei por tecla SAP e virei telespectadora. Que bom te ler, cara!
ResponderExcluirCheguei por tecla SAP e virei telespectadora. Que bom te ler, cara!
ResponderExcluirObrigado, Sara. Volte sempre.
ResponderExcluirEmílio, aqui no Ceará a gente tem uma expressão bem menos educada pra dizer isso: "fingir de morto pra comer o coveiro"...rs São muito comuns, tanto o experto como o sem noção. Como todo bom cearense, se a pessoa for "amiga" eu finjo que levo na gozação e digo "mamar na vaca, vc não quer não?" Outra expressão nossa, muito antiga. Se não tenho intimidade, digo apenas q estou com muito trabalho e não tenho tempo etc. Mas de graça... não.
ResponderExcluirBoas! Aqui em Sampa eu conheci uma expressão mais educada, "fazer-se de burro para comer milho".
ResponderExcluirUm e-abraço,
Ayrton