Objetividade verbal
A seguinte frase é um exemplo de boa redação:
"Um sentimento pungente me dominava, abafando uma vaga, uma imprecisa sensação de sarcasmo."
Então? Parece simples, não? É o tipo da frase que não revela necessariamente traços de genialidade em seu criador. É apenas uma redação clara. Essa era a alternativa correta em uma questão de português do Vestibular da UFRGS de 1979, preparado pela Fundação Carlos Chagas. A proposição era apontar a frase melhor redigida. E ainda que alguns digam que é algo subjetivo, a forma como as alternativas foram elaboradas não deixa dúvidas para quem sabe analisar. Senão, vejamos esta:
"Eu sentia duas coisas: uma imprecisa sensação de sarcasmo e um sentimento pungente que, ao dominar-me, abafava o mesmo."
"Abafava o mesmo?" Que coisa, hein? E, no entanto, muitos redigem dessa forma. Acham que soa bem e demonstra erudição.
Outra:
" Uma imprecisa e vaga sensação sarcástica me abafava a pungência que me dominava."
Que belo eco! Essa frase tem até ritmo! Se fosse musicada, poderia ser o começo de uma letra dos Engenheiros do Hawaii.
Mais uma:
"O sarcasmo impreciso e vago era abafado pelo sentimento que eu sentia, pungente dentro de mim."
"Sentimento que eu sentia" é ótima, lembra a "dor que dói" do Renato Russo. E o que era pungente: o sarcasmo ou o sentimento?
E a última:
"Tão pungente que era, dominava-me um sentimento que abafava a sensação de sarcasmo, por sua vez, vaga e imprecisa."
HEIN? Repete, que eu não entendi nada! Ah, não era pra entender, mesmo. Era só pra soar bonito e demonstrar inteligência.
Eu considerei essa questão de Vestibular uma obra-prima. O exemplo perfeito do que significa boa redação. Mais importante do que tentar rebuscar um texto é saber encadear as idéias de forma natural e objetiva.
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