sexta-feira, julho 29, 2005

Paternalismo presidencial

Meu pai certa vez me contou uma história da qual, infelizmente, não guardei os detalhes. Um dia, ainda antes de eu nascer, ele telefonou para um amigo. Quando a empregada que atendeu à ligação disse que o patrão não se encontrava e perguntou quem desejava falar, ele, de brincadeira, disse o nome do então Presidente da República:

- Juscelino Kubitscheck!

A moça, em sua ingenuidade, aproveitou para fazer um apelo:

- Ah, seu Juscelino, quem sabe o senhor não poderia me ajudar...

E contou uma longa história sobre uma dificuldade financeira em que se encontrava. Meu pai, comovido, achou uma forma de ajudá-la. Não com seus próprios recursos, imagino, mas com a colaboração de outros. O trote acabou tendo um desdobramento humano com final feliz.

Pois é. É sempre bonito e comovente auxiliar pessoas carentes. A questão óbvia que se levanta é: o que torna um cidadão necessitado mais merecedor de ajuda do que outro? No caso de particulares ou de empresas privadas, não há o que questionar: cada um auxilia quem quer e toda a iniciativa nesse sentido é louvável. Mas será justo o que aconteceu em Bagé, em que um gaúcho de 35 anos pediu ajuda ao Presidente Lula para custear sua Faculdade de Direito e levou? Entendo que o Presidente zelou por sua imagem ao atender à solicitação, mas também abriu um precedente arriscado. Agora será difícil conter a enxurrada de suplicantes nas aparições públicas de Lula. Isso se não se formarem filas em frente ao Palácio do Planalto.

Lembro quando Sílvio Santos tentou se candidatar de última hora à Presidência em 1989. Depois a candidatura foi impugnada. Naquele tempo ele ainda tinha em seu programa de TV o quadro “A Porta da Esperança”. Acho que todos lembram como era: alguém ia ao estúdio fazer algum pedido. Depois de conversar bastante com a pessoa sobre o que estava querendo, que tanto podia ser algo realmente necessário como uma extravagância, Sílvio dizia: “Vamos abrir a Porta da Esperança!” Aí uma enorme porta se abria no cenário. Se houvesse alguém por trás dela, era quem iria atender ao pedido. Se não houvesse ninguém, o participante não tinha sido contemplado.

Pois sempre que eu ouvia falar na possibilidade de Sílvio Santos vir a ser Presidente, imaginava uma nova versão da Porta da Esperança instalada em Brasília. Quando algum Governador ou autoridade quisesse pedir verbas para suas obras, teria que passar pela Porta da Esperança. A vantagem é que o critério para atendimento passaria a ser meramente arbitrário ou mesmo aleatório. Uns seriam agraciados, outros não, mas ninguém poderia argumentar falta de isonomia. Todos tiveram o mesmo direito à Porta da Esperança. Apenas nem todos foram contemplados.

Ao atender ao pedido do estudante gaúcho que havia interrompido seu curso, Lula instituiu uma Porta da Esperança em seu governo. Agora vai ter que administrá-la da melhor forma possível. É normal que um cidadão passando necessidades se sinta tentado a recorrer a uma autoridade quando vislumbra a chance de contato com ela. Também é compreensível que o Presidente procure tomar atitudes simpáticas no momento em que a imagem do governo está em xeque. Mas resolver o problema de uma e somente uma pessoa dessa forma paternalista é uma medida, no mínimo, questionável para um Presidente da República.