sexta-feira, fevereiro 04, 2005

O Carnaval que não consigo esquecer (nem lembrar)

Eu nunca consegui gostar de Carnaval. Bem que tentei, mas não deu. A música, o clima, a tradição, nada disso me entusiasma. Bailes, desfiles de Escolas de Samba, dispenso. Hoje, graças, entre outras coisas, à Internet, descobri que não estou sozinho. Não sou nenhuma aberração da natureza. Muita gente não gosta de Carnaval. Foi um alívio saber.

Mas houve uma fase, mais ou menos entre 19 e 23 anos, em que eu era um ET no meio de uma turma de carnavalescos. Todos os meus amigos adoravam o Carnaval. Às vezes eu chegava a me perguntar: se curtem tanto a festa, por que só fazer quatro dias por ano? Existe alguma proibição de se dançar "Mamãe Eu Quero" e "Máscara Negra" e jogar confete e serpentina em outra época do ano? Eu sei que alguns clubes até fazem Carnaval de Inverno. O do Professor Gaúcho era famoso, não sei se ainda acontece. Mas eu realmente não conseguia entender o que havia de errado comigo. Se é algo que deixa os meus amigos tão entusiasmados, por que eu não consigo gostar?

Um dia um amigo meu perguntou se eu não conseguia gostar do Carnaval "nem regado a caipirinha". Aí, achei que tinha desvendado o mistério. Era isso! Eu não curtia a festa porque estava sempre sóbrio. Bastaria encher a cara e pronto, eu teria uma revelação. A magia do Carnaval se descortinaria diante de meus olhos. Toda aquela gritaria, aquela pulação toda no meio do salão, passaria a ter um significado. Eu conseguiria ver e sentir o mesmo que os outros que tão eufóricos ficavam no meio daquela folia toda.

Foi no verão de 1981, aos 20 anos, em Capão da Canoa, que decidi colocar em prática a estratégia etílica. Já saí de casa bem cedo com umas biritas na cabeça. Achei uma vaga para estacionar em frente à SACC. Depois, continuei meu aquecimento pelo centro de Capão, primeiro num trailer, depois numa casa de batidas. Eu poderia dizer que naquela noite tomei o porre mais memorável da minha vida, não fosse por um detalhe: a partir de certo ponto, não lembro de mais nada. Nunca imaginei que a amnésia alcoólica, tão citada em piadas, fosse uma realidade.

Um conhecido que casualmente sabia onde eu morava me encontrou no Centro e me levou para casa. Menos mal. Acordei no dia seguinte no chão da sala de minha casa, em Atlântida. A sensação de "não saber o que aconteceu" é horrível. Até hoje meus irmãos lembram do fato como se eu tivesse perdido o meu carro. É que, durante o pileque, eu não sabia dizer onde ele estava. Foi só levantar no dia seguinte e eu falei na ponta da língua: "Tá na frente da SACC." De qualquer forma meu irmão já o tinha encontrado. Em meus delírios, eu havia comentado coisas bem pessoais para quem quisesse ouvir. Foi como se o álcool tivesse rompido as comportas da minha intimidade. É claro que não cheguei a ir no baile da SACC. Fui no dia seguinte. Até que as coisas terminaram bem. O meu anjo da guarda não falhou. O vexame poderia ter sido muito pior.

Depois desse vergonhoso episódio, tentei ir ao Carnaval mais algumas vezes (sóbrio, é claro), até que desisti. Definitivamente, não é meu tipo de festa. Gosto do feriadão, mas deixo os bailes para quem curte.

Em todo o caso, bom Carnaval a todos!