segunda-feira, dezembro 06, 2004

O ceticismo

Não sei o que é pior: a credulidade excessiva ou o ceticismo. Mas se eu tivesse que escolher o que mais me desagrada, ficaria com a segunda opção. A credulidade me é mais simpática. O crédulo, no fundo, é uma pessoa bem intencionada, de boa índole, que dá um voto de confiança ao próximo. Pode ser também um ingênuo. Mas é um indivíduo que tem muita fé. Já o cético crônico me passa a idéia de ser alguém de caráter duvidoso. Tem culpa no cartório e, por isso, acha que todos devem ser mais ou menos como ele.

Tive um de meus primeiros contatos com o ceticismo um dia em que comentei com um colega de aula que nunca tinha dado uma tragada em um cigarro. Realmente não tive curiosidade de experimentar. Já sabia que não iria fumar, logo, por que testar? Tabaco nunca me atraiu. Mas o colega não acreditou. Nem ele, nem outros para quem falei a mesma coisa em outras ocasiões. No início, até me irritei um pouco. Afinal, se eu estava falando a verdade, por que não acreditavam? Até que percebi que teria que aprender a conviver com a incredulidade do ser humano sem stress. Não vejo necessariamente um mérito em nunca ter fumado. Mas é a verdade. Quem não quiser, que não acredite. Também nunca experimentei drogas ilegais. Não, nem maconha.

Às vezes aparece na televisão alguma celebridade fazendo show ou comercial supostamente de graça, para fins beneficentes. Sempre tem alguém para dizer: "De graça? Ah, conta outra! Imagina se o cara ia se apresentar sem cobrar nada!" Gene Simmons, do Kiss, já disse várias vezes que não fuma nem usa drogas. "Meu vício são as mulheres", afirmou certa vez. Isso foi confirmado por seus ex-colegas de grupo Ace Frehley e Peter Criss, notórios usuários das mais diversas substâncias. Ainda assim, há fãs que não acreditam. "Gene nunca usou drogas? No mundo do rock alguém não usa drogas? Quem ele pensa que está enganando?" Já eu me pergunto que vantagem teria um sujeito como Gene, com aquela sua imagem "demoníaca", em se mostrar um cara "limpo". Se ele diz, é porque deve ser verdade. Ele não conseguiria sustentar uma mentira como essa por mais de 20 anos, ainda mais com tanta gente ansiosa por desmascará-lo.

A falsidade existe e todos sabemos. Mas o que me incomoda é a postura de alguns de nunca acreditar em nada que contrarie seus dogmas. O homem não foi à Lua. Os paranormais são todos uns charlatões. Não existe homem fiel. Todo o indivíduo tem seu preço. Os políticos são todos corruptos. Ninguém faz nada de graça. A mulher está com ele pelo dinheiro. Esse cara é um baita dum mentiroso. E por aí vai.

Agora leio no jornal que o gaúcho Alfeu Dick e Silva, gerente de uma multinacional farmacêutica, pegou carona no jatinho do futuro presidente Lula em Florianópolis, no dia 30 de setembro de 2002. Perdera o avião, mas num encontro rápido com Lula, acabou ganhando a carona. Só que nunca ninguém acreditou em seu relato. Foi chamado de Pinóquio e Forrest Gump. Mas sua imagem dentro do avião ficou registrada no documentário "Entreatos", de João Moreira Salles, que vai estrear na sexta-feira. Agora e somente agora, os amigos vão acreditar. Quem dera que todos nós tivéssemos um filme para confirmar nossas histórias fantásticas.

O ideal é saber dosar a credulidade e o ceticismo. Mas entre um e outro, sou mais as pessoas que pecam por excesso de fé.


2 Comments:

Blogger TV Sujeito said...

Estava assistindo um vídeo, da final do Grêmio com o São Paulo, de 1981, quando me deparei com seu comentário, e uma referência a esse seu blog. Gostei da postagem e do jeito de abordar. Parabéns!

7:42 PM  
Blogger Emilio Pacheco said...

Obrigado!

7:51 AM  

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