sábado, agosto 30, 2025

Luis Fernando Verissimo (1936-2025)

Era época de Feira do Livro em Porto Alegre no ano de 1973, então presumo que tenha sido em novembro. No mês seguinte eu completaria 13 anos. A família estava reunida na mesa da cozinha. Meu irmão João Carlos pegou o livro "O Popular", o primeiro de Luis Fernando Verissimo, que alguém (creio ter sido minha irmã Beatriz) tinha comprado, e comentou: "Este, sim, é O livro!" Meu (hoje ex) cunhado Newton complementou dizendo ter lido numa crítica de jornal que, a partir daquele momento, a literatura seria "antes e depois" de "O Popular". Meu irmão acrescentou: "E da Editora José Olympio, hein?"

Essa conversa familiar ficou gravada em minha memória. Depois disso, em algumas das muitas vezes que estive na casa de minha irmã, dei uma espiada nos livros dela. E, além de "O Popular", folheei também "A Grande Mulher Nua", de Verissimo. E aos poucos fui descobrindo aquele estilo de humor inteligente, sagaz, divertido. Impressionava-me também que Verissimo desenhava - e muito bem. Seu traço era econômico, mas preciso, certeiro e harmônico. Dois dons tão especiais numa mesma pessoa. Até que, em 1978, comprei "O Rei do Rock", numa edição de bolso vendida em banca de revistas. Não, não foi por engano. Eu sabia que era um livro de crônicas. E até hoje é um de meus preferidos. Só muito tempo depois vim a saber que Verissimo tinha influência de autores americanos, como Woody Allen e Art Buchwald, em razão do tempo de juventude em que morou nos Estados Unidos. Quando ele estourou em 1981 com "O Analista de Bagé", eu já me considerava um velho fã. 

Verissimo também escreveu para programas humorísticos da Globo, mas não se sabe exatamente quais quadros foram criados por ele, exceto por aqueles que eventualmente citou em seus textos, como o "ah é, é?" O bordão "me tira o tubo", de um personagem de Jô Soares, lembra muito um conto dele sobre um sujeito que entrou em coma antes da partida Brasil-Uruguai da Copa de 50. Quando finalmente acordou, anos depois, todos ficaram com medo de lhe contar o resultado. Por fim, lembro especificamente de um capítulo da série "As Aventuras de Mario Fofoca" que era de autoria de Verissimo. A história incluía um Buda de borracha que dava azar - era o "Buda mole".

Na era da Internet, Luis Fernando Verissimo acabou sendo vítima de um fenômeno incontrolável, que é a disseminação de textos com autorias incorretamente atribuídas. Pode-se dizer que, das mensagens que circulam furiosamente com assinatura de Verissimo, nenhuma é dele. E, no entanto, o nome dele já apareceu até numa coletânea lançada na França, embora a verdadeira autora da crônica fosse uma então estudante de Medicina de Florianópolis. 

Como figura lúcida, culta e brilhante que era, tendo vivenciado de perto o período da ditadura (e se atrevido a criticá-la em seus tempos de Folha da Manhã, como já registrei aqui, chegando inclusive a ser fichado no SNI), Luis Fernando Verissimo tentou dar vários gritos de alerta sempre que os maus perdedores das eleições presidenciais procuravam desestabilizar o processo democrático para forçar uma virada de mesa. E isso ele já fazia muito antes do episódio infeliz de 8 de janeiro de 2023. Mesmo no período de Fernando Henrique Cardoso, a quem não apoiava, ao ser questionado sobre o que pensava do governo do então presidente: sintetizou: "A alternativa seria pior". Referindo-se, obviamente, a uma indesejável nova ditadura, sem direito a voto. 

Outra dificuldade que Verissimo enfrentava ocasionalmente era a incapacidade de alguns leitores de captar sua sutil ironia. Como quando fez uma crítica em tom de sarcasmo a Lula por tomar vinho Romanée Conti ou na ocasião em que comparou o governo Bolsonaro ao nazismo. Aliás, muitas vezes me perguntei se a alegada "timidez" dele não seria apenas falta de ânimo para dialogar com pessoas que não tivessem o mesmo nível intelectual. Talvez, para ele, fosse o mesmo que conversar com quem não entendesse a língua dele. 

Luis Fernando Verissimo faleceu hoje, dia 30 de agosto de 2025. Casualmente, nove anos depois de ter participado do Sarau Elétrico organizado por Kátia Suman e Luís Augusto Fischer no Bar Opinião, em Porto Alegre. Eu estava lá e gravei quase tudo em vídeo com minha Nikon compacta com um tripé sobre a mesa, no mezanino. Como a máquina tinha um limite de gravação, foram feitos três vídeos. No terceiro, a bateria acabou bem quando Kátia estava dizendo "Fora Temer". O julgamento do impeachment de Dilma Rousseff seria no dia seguinte. Vejam abaixo.